sábado, 27 de setembro de 2008

ADEUS, PAUL

Paul Newman nos deixa celebrado como um grande ator, mas o que ele gostava mesmo era de acelerar. Como homenagem de minha parte, fica aqui uma coluna que escrevi sobre isso no GP Total em janeiro de 2005. Muita gente na sala de imprensa aqui em Cingapura também lamenta o fato.

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ACELERA, PAUL!

14/01/05


Janeiro não está sendo um mês fácil. Não bastassem as mortes no Rali Dakar, assunto abordado pelo Tite na sua última coluna, há também o extermínio iminente do autódromo de Jacarepaguá. Da maneira com que tudo está sendo feito, cheira a uma suja manobra política servindo aos interesses de meia-dúzia de empresários, que vão encher os bolsos de dinheiro com a construção de um Centro Olímpico. Provavelmente, a obra vai virar um enorme elefante branco assim que o Pan-Americano de 2007 terminar.

Mas duas notícias serviram para me encher de alegria neste período em que quase nãocorridas: a volta às pistas, ainda não oficialmente confirmadas, de Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet. Os dois campeões da Fórmula 1 brasileiros vivos, em uma tacada , sofreram uma recaída, abatidos pelo imbatível vírus da velocidade. E querem, como é comum nestes casos, acelerar em terrenos inexplorados: Piquet com um caminhão da Fórmula Truck e Emerson Fittipaldi com um protótipo das 24 Horas de Daytona. na Flórida, sua segunda casa, “Emmo” fez um teste com o carro que será guiado pelo sobrinho Christian na prova. Saiu com uma coceirinha na mão e mil dúvidas na cabeça. Eu aposto que ele vai correr.

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Vai correr porque Emerson é um tarado por corridas, como um senhor de 79 anos que, na mesma sessão de testes em Daytona, viu o motor de seu protótipo ser consumido pelas chamas e desceu do bólido com a frieza de um veterano vencedor. a idade lhe garantiria o interesse da mídia, mas o piloto em questão é também um dos atores mais conhecidos do planeta: Paul Newman. Um sujeito que nada em fama e dinheiro, mas emprega tudo isso na filantropia e nas corridas. Poderia ficar em sua mansão, descansando e curtindo a família. Mas o maldito vírus fala mais alto.

A paixão de Paul Newman pelas corridas começou – adivinhem – no cinema. O filme “500 Milhas” (título no Brasil para “Winning”), lançado em 1969, o colocou no papel de um piloto que interrompe sua lua-de-mel para voltar às pistas e enfrentar a ascensão de seu rival. Curiosamente, a atriz que faz sua esposa na película é sua companheira também na vida real, Joanne Woodward. O adversário é interpretado por Robert Wagner, conhecido pelos mais velhos pelo papel de Jonathan Hart na açucarada sérieCasal 20”, e pelos mais novos como o “Número 2” no impagável primeiro episódio de “Austin Powers”. O filme traz também ótimas tomadas dos grandes circuitos norte-americanos, como Indianápolis e Elkhart Lake. “Winning” seria uma espécie de “Grand Prix”, mas com o automobilismo da terra do Tio Sam como pano de fundo. Inexplicavelmente, é considerado hoje em dia um filme menor sobre esse esporte.

Muita gente pode pensar que Paul Newman é apenas uma celebridade multimilionária que tem nas corridas o seu hobby. Isto é um grande erro. Ao contrário de gente como o ator Rowan Atkinson, o jogador de futebol americano Joe Montana, o ator Humberto Martins ou o fotógrafo J. R. Duran, entre outros, Newman encarou o desejo de correr com absoluto profissionalismo. Em 1972, aos 47 anos, se preparou e disputou o campeonato do SCCA (Sports Club Car of America). “Havia um revendedor de carros Datsun a sete minutos da minha casa. Ele também tinha uma equipe que competia no SCCA, bem-organizada e sofisticada. Foi assim que eu comecei, com um Datsun de 4 cilindros, e fui tratando de subir na carreira. Não havia sentido começar a correr se não fosse para levar a sério e foi o que eu fiz. Mudei minha agenda para ficar livre de março a outubro. Passei a trabalhar com cinema durante o inverno.”

E foi assim durante os dez anos seguintes. O comprometimento rendeu frutos e ele faturou o título do SCCA por duas vezes, em 1976 e 1979. É mais ou menos como se Rubens Barrichello se sagrasse bicampeão brasileiro de golfe amador. Também em 79, Newman conseguiu um excelente segundo lugar nas 24 Horas de Le Mans (primeiro em sua classe), correndo ao lado do compatriota Dick Barbour (o dono da equipe) e do alemão Rolf Stommelen. Foi uma edição marcada por um verdadeiro dilúvio, o que enobrece mais as qualidades do piloto-ator. Curiosamente, ele não se acha um bom piloto em circuitos mistos, apesar de ter algumas vitórias neles.

“Acho que o melhor a dizer sobre mim é que sou muito suave. Eu sou melhor em circuitos de alta velocidade do que nos mistos. Não tenho o arrojo necessário para os mistos”, avalia. Há quem discorde, como Rob Dyson, que correu ao lado de Newman na época do SCCA e venceu Le Mans tempos depois. “Esse é um cara que poderia ter chegado no topo do automobilismo se não tivesse começado tão tarde”.

Em 1982, Paul Newman achou que era a hora de parar com as corridas. Foi convencido por Mario Andretti a se juntar a Carl Haas e montar uma equipe na Fórmula Indy. Um detalhe pouco conhecido: Newman e Haas se enfrentaram diversas vezes em corridas de Can-Am dos anos 70 e, pelo menos durante uns três anos, se odiavam tanto que não falavam um com o outro. Hoje são grandes parceiros. “Quem iria recusar o convite de ser dono de uma equipe quando Mario Andretti se oferece para ser seu piloto? Estava mesmo pensando em me aposentar das pistas e chefiar um time era a alternativa perfeita”, relembra o ator.

Não demorou muito para a Newman/Haas se estabelecer como uma das melhores equipes da categoria, uma posição que mantém até hoje. Desde então, o galã de Hollywood compareceu a todas as corridas da CART. Até mesmo em 2003, quando uma das provas coincidiu com a cerimônia de entrega do Oscar, na qual era um dos indicados ao prêmio de ator coadjuvante por sua atuação emEstrada da Perdição”.

Deste período, uma de suas melhores lembranças é a de quando empregou o inglês Nigel Mansell. “Vê-lo dirigindo era incrível. Eu sinto em relação a ele o que alguns atores sentem em relação a Lawrence Olivier. Aquele ano de 1993 foi uma de nossas melhores temporadas. Nigel era uma estrela. Eu vivia dizendo que ele deveria fazer filmes também”, elogia. “Nosso primeiro teste foi em um desses circuitos ovais e ele chegou resmungando que viver nos Estados Unidos não valia a pena e que podiam demolir todos os ovais. Quinze minutos depois, ele havia baixado o recorde da pista em dois décimos. O cara era uma figura!”

Seu amor pela CART, categoria hoje conhecida com OWRS, é enorme. No ano passado, o sócio Carl Haas flertou seriamente com a idéia de debandar para a rival IRL. Quem bateu o foi Newman. “Tenho de admitir que Paul e tivemos alguns problemas. Não acho que preciso dizer a ninguém que o Paul é extremamente leal à Champ Car, provavelmente mais do que eu. Mas resolvemos os nossos problemas e iremos seguir como sempre com a Newman-Haas”, conta Carl.

Mesmo atuando como dono de equipe, Paul Newman participa de algumas corridas de vez em quando. E não alivia. Sofreu um acidente a mais de 270 km/h uma semana antes de completar 75 anos. E conseguiu sua maior vitória em 1995, aos 70, quando participou do quarteto vencedor das 24 Horas de Daytona na categoria GTS-1 (3° no geral). É a paixão pelas pistas, que parece ser mais forte até mesmo que a paixão pela esposa Joanne Woodward. “Com certeza ela não fica muito feliz quando eu corro. Mas no final ela acaba apoiando. De qualquer jeito, porque eu me aposentaria? Sei que eu sou velho, mas ainda consigo entrar e sair de um carro. Enquanto isso for possível, vou continuar correndo. Que mais eu poderia fazer?” É, essa paixão a gente entende bem, Paul. Continue acelerando, então!

Luis Fernando Ramos

3 comentários:

Klauss disse...

Eu lembro dessa coluna!

Ele entrou pro livro Guiness até como o piloto mais velho do automobilismo a pisar num pódium, e coisarada...

Só não acho que seja pra se lamentar... Ele viveu intensamente seus 83 anos de vida, é um exemplo pra muito jovem que tem medo de ficar velho... Acho que seria de se lamentar se pudéssemos dizer que não era a hora, alguma fatalidade, mas no caso dele o certo é celebrar a vida que ele teve e os feitos que ele realizou.

Descanse em Paz, Paul!

Anônimo disse...

Os admiradores do cinema e do automobilismo só tem a agradecer a ele. Viva Paul Newman!

Gustavo Lovatto disse...

Não sabia que o Mario Andretti foi quem juntou o Paul Newman e o Carl Haas pra formar a Newman Haas. Obrigado pela informação.

R.I.P. Paul Newman: Um cara que viveu muito bem.