O ano está acabando então acho uma boa idéia reproduzir aqui no blog um pouco do material que fiz para outros veículos. Uma das reportagens mais bacanas foi esta sobre a equipe Eagle, publicada em abril na RACING. Quando liguei para o escritório de Dan Gurney, a secretária informou que ele não estaria dando entrevistas. Mas insisti e ela saiu da linha, provavelmente para consultá-lo. Para minha surpresa, ele pegou o telefone logo em seguida, todo simpático e já me chamando pelo nome. Foi um susto bacana, mas segurei a emoção de falar com um dos meus ídolos no automobilismo e me concentrei na conversa, que fluiu bem. Confira o resultado dela:
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A USF1 QUE DEU CERTO
O fracasso da USF1 em montar um projeto para disputar o Mundial de 2010 deixou muita gente decepcionada: o piloto José Maria Lopez que foi anunciado e chegou a pagar uma parcela de patrocínio que nunca lhe foi devolvida; torcedores nos Estados Unidos e no resto do mundo que simpatizavam com a idéia; e a própria FIA, que viu o fato jogar uma luz negra sobre o seu processo de seleção de novas equipes para a Fórmula 1 – e prometeu estudar com carinho a possibilidade de entrar com uma ação legal contra os proprietários do time por quebra de contrato.Mas ninguém ficou mais decepcionado que Dan Gurney. Sua ligação com a USF1 era puramente emocional, um laço histórico cujo nó está no fato dele ter liderado, nos anos 60, uma equipe norte-americana que corria na Fórmula 1. A Eagle traz no nome e no logotipo o animal-símbolo do país e materializou um sonho antigo de seu idealizador. “Sempre imaginei que era possível correr na categoria com uma equipe dos Estados Unidos. O problema é que a F-1 ficou muito dependente da tecnologia e isto a tornou cara demais. O que é uma pena, porque para o público pouco interessa se um carro perde um décimo de segundo seguindo outro por causa da aerodinâmica e com isso não consegue ultrapassar”, analisou Gurney, numa conversa exclusiva por telefone com a RACING.
Para entender melhor a diferença entre os dois projetos, fomos conversar com outro membro-chave da Eagle: o mexicano Jo Ramirez, que chefiava a construção do carro na base que o time mantinha na Inglaterra – segundo ele, um dos fatores determinantes para o sucesso da organização. “O chassi era feito nos Estados Unidos e depois eles mandavam para nós. Na Inglaterra nós mantínhamos o carro e montávamos o motor. Era uma outra época, fazer uma equipe norte-americana era algo mais realizável”, explicou. “Hoje em dia é muito difícil. Infelizmente neste ano não deu certo, embora a receptividade da Fórmula 1 com a ideia do time tenha sido boa. Mas as bases não estavam prontas e não funcionou”.
Uma coisa que a Eagle tinha – e a USF1 não – era o carisma de um líder como Daniel Sexton Gurney. Ele começou a correr na metade dos anos 50 na Califórnia e teve uma ascensão meteórica à Fórmula 1, estreando num terceiro carro da Ferrari na metade da temporada de 1959. Seu enorme potencial logo chamou a atenção de todos e a BRM o contratou para o ano de 1960. As muitas quebras do carro não permitiram que Gurney materializasse sua velocidade em resultados e ele apostou no projeto da Porsche para a Fórmula 1.
Foram dois anos pela equipe alemã, culminando com um triunfo histórico no GP da França de 1962. Mas o time de Stuttgart tirou o time de campo e ele correu nas três temporadas seguintes pela equipe de Jack Brabham, garantindo também para o time a sua primeira vitória na F-1 novamente na França, em 64.
A vivência com o trabalho de Jack Brabham despertou em Gurney o desejo de criar sua própria equipe. O “sonho americano” foi financiado com ajuda da fabricante de pneus Goodyear e incluiu também participações nas 500 Milhas de Indianápolis. Na Fórmula 1, a estréia ocorreu no meio da temporada de 1966 na Bélgica. E o potencial do time ficou claro logo na terceira corrida, o GP da Inglaterra em Brands Hatch, quando Gurney ficou em terceiro lugar no grid e andou no ritmo dos dois carros da Brabham antes de quebrar.O ano de 1967 seria o da consagração da equipe. Os primeiros pontos na F-1 vieram com um 5° lugar na abertura do Mundial, o GP da África do Sul em Kyalami. Na Corrida dos Campeões em Brands Hatch, uma prova extra-campeonato, Gurney levou a Eagle à vitória de forma dominante. Mas o grande momento aconteceria em Spa-Francorchamps, mesmo palco da estréia do time no ano anterior.
O norte-americano ocupou a segunda colocação do grid mas largou muito mal. Recuperou as posições rapidamente e chegou à vitória, marcando a melhor volta da prova no caminho. Gurney quase voltou a vencer em Nürburgring: liderava o GP da Alemanha com alguma folga quando sofreu uma quebra do semi-eixo a três voltas do final.
O sucesso do time não pode ter continuidade no ano seguinte, pois a Goodyear cortou o apoio e o dinheiro para manter o projeto simplesmente acabou. Mas a saga da Eagle mostrou que é possível fazer uma equipe de Fórmula 1 em um continente fora da Europa. E conversar com seu idealizador, o piloto que o lendário Jim Clark mais temia, é uma deliciosa viagem no tempo.
E mesmo aos 79 anos de idade, a paixão de Gurney pela Fórmula 1 não diminuiu, ainda que ele reconheça as mudanças que o tempo imprimiu na categoria. “Acho que a F-1 hoje em dia tem muita ênfase na aerodinâmica e um pouco demais na eletrônica. Não que eu seja contra elas. É interessante o que pode ser alcançado com a tecnologia, mas você acaba perdendo muito do lado humano”, afirmou, fazendo uma ressalva. “Não quero parecer um velho amargurado que só reclama. Eu era fã da F-1 antes de virar piloto e continuo um fã até hoje, mas sempre me interessei mais pelo lado humano do que pelo tecnológico. Por outro lado, estas características comerciais de hoje têm um efeito positivo: o piloto precisa de um período relativamente curto de sucesso para ter estofo financeiro para o resto da vida. Disso não se pode reclamar. Minha carreira aconteceu um pouco cedo demais para que eu pudesse tirar proveito disso, mas também não reclamo das minhas condições”, refletiu.
A equipe Eagle deixou a Fórmula 1, em 1968, mas se manteve na ativa nos Estados Unidos até o ano 2000, correndo de Can-Am, Grand-Am, Nascar e, principalmente, na Fórmula Indy. Hoje, seu projeto é outro: desenvolver uma marca de motocicletas chamada Alligator. “Sempre fui um fã de motos, ando toda semana, normalmente aos domingos. Estamos trabalhando num protótipo ainda, dentro do processo de desenvolver um novo produto para vender”, explicou o eterno apaixonado pela velocidade.
UM PIT STOP DIFERENTE
A estréia da equipe Eagle na Fórmula 1 aconteceu no Grande Prêmio da Bélgica de 1966. A prova foi imortalizada em imagens para o filme “Grand Prix” e ficou famosa por sua primeira volta. Os pilotos largaram nos boxes em frente à curva Eau Rouge com pista seca, mas foram surpreendidos por uma cortina de chuva na curva Burnenville e muitos acabaram saindo da pista, entre eles o escocês Jackie Stewart.
Dan Gurney passou ileso pelo local. “Estava tão lento que até o carro com as câmeras de cinema, que era pilotado pelo Phil Hill, me ultrapassou”, recorda. No meio da prova, o norte-americano passou por um episódio curioso: teve de parar na beira da pista para urinar. “É uma dessas coisas que acontece”, ri ele ao se lembrar do episódio. “Normalmente eu tomava muita água antes das corridas, o que era fundamental num dia quente. Mas naquele dia estava frio e chuvoso. Então eu tive de parar para tirar um pouco daquela água”.
Pergunto se não foi possível se aliviar dentro do cockpit, como muitos pilotos fazem mesmo nos dias de hoje. “Não, eu tentei bastante, mas não consegui. Então para evitar que eu explodisse internamente, parei na beira da pista e resolvi o problema”, respondeu explicando que sua maior preocupação foi encontrar um lugar para parar que fosse seguro tanto para ele quanto para os outros pilotos que continuavam na corrida.
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4 comentários:
Ico nunca pare de nos presentear com suas matérias.
Sensacional!
Parabéns!
ótima matéria, me lembro que conheci Gurney graças a seus carros na indy que ionfelizmente não corriam nada, mas eram lindos. Grande equipe a Eagle!
ótima matéria.
Carro fantástico.
era?...sem comentários.
Ico, estou volta e meia a comentar suas postagens de forma critica, pois não há outro jeito para um esporte que decide vencedores em milésimos de segundos.
Me surpreende chegar a essa excelente matéria e não ver o grupo da tietagem que, me desculpe, acho que devem sim compreender pouco ou ter a 'preguiça mental' que disse em reposta ao 'maurício'.
É uma pena que a realidade pareça ser essa. Com isso, viva ao ibope, perdemos mais dessa qualidade em detrimento de especulações que beiram a leviandade quanto a capacidade de homens prá lá de distantes de nossa mortal capacidade humana. Entre as áreas que estudo estã a neurociencia...e é incrível descobrir o que mentes como a desses 'caras' (como o fast airton) são sim quase sobrehumanos.
Enfim...por aqui, congratulation (ainda que não precise disso de mim) em todos os idiomas.
Por lá... ah...vou continuar abanando a bandeira e torcendo...
o povo? sempre opta pelo 'crucifique' (não. não sou religioso mas tenho minhas crenças)
abraço'
Grande ICO. Belo post.
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