Hoje, fui ao lançamento de um livro que promete ser um marco para qualquer fã de automobilismo. Helmut Zwickl – jornalista austríaco já citado neste blog, presente em mais de 560 GPs e um dos únicos seis profissionais da área que possui uma credencial perpétua de “membro honorário” distribuída pela FIA – resumiu em 250 páginas uma série de memórias e análises dos seus anos passados na F-1.
Ele é dono de uma escrita sensacional e sua visão do esporte se parece muito com a minha. O prólogo de “Die Eroberung des Sinnlosen” (algo como “A conquista dos sem sentido”), no qual ele compara os dias atuais com os do início de sua carreira, é o texto mais definitivo que já li na minha vida. O resto do livro é um amontoado de histórias saborosas sobre os grandes personagens da categoria.
Abaixo, fiz uma tradução do texto de promoção do livro, na qual certamente 30% ou mais da qualidade do original se perdeu (aliás, como homem das palavras, sou da opinião de que qualquer tradução, por mais perfeita que seja, jamais chega perto do original. Procure na Internet um poema do Fernando Pessoa em inglês para tirar a prova).
No fundo, é um micro-resumo do prólogo, só para dar uma idéia do pensamento dele. Leia e comente!
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Os de antigamente não existem mais. Estão todos mortos ou já pararam com o automobilismo. Nós sempre o comparamos a cavaleiros medievais e seu esporte a duelos de lança a cavalo. Sobre as corridas, pairava o pensamento olímpico do “desejo de competir e ver quem é o melhor”.
A verdade é que a Fórmula 1 se transformou mais nas últimas três décadas do que entre a primeira corrida, em 1906, e os anos 70.
A máquina de imprimir dinheiro, mantida em rotação pelo círculo vicioso entre a televisão e os patrocinadores, criou um sistema impiedoso e impregnado de inimizades. E os pilotos representam a conseqüência ruim deste sistema. Pilotos são criados “como ostras”, como disse Willi Weber certa vez. A molecada que chega lá hoje em dia não tem formação escolar, não tem educação. Num repente, encontram-se nas mãos de um empresário e, assim, no meio do “sistema” construído em torno de performance, dinheiro, pensamento competitivo e proibição de abrir a boca. É como um moedor de carne: o sistema os pega e os coloca, puros, na parte de cima. E eles saem embaixo, completamente deformados.
Hoje não se escreve mais sobre corridas – sobre este fascinante esporte que ocorre no limite –, mas apenas sobre política e economia. A Fórmula 1 se transformou num thriller econômico. Hoje, a categoria é um espelho do mundo globalizado: a ganância conduz a política para a manutenção do poder, o esporte é o tabuleiro de um jogo de capital de risco, onde se depositam bilhões de Euros. Antigamente, eram apenas uns trocados. Mas não há escândalo que consiga prejudicar seriamente a Fórmula 1. Ela se transformou numa excelente plataforma de marketing, na qual a relação custo-benefício nem sempre é positiva para todos os jogadores.
A propósito, paralelamente ainda se disputam corridas...
12 comentários:
Ico:
Há algum projeto de lançamento desse livro aqui no Brasil?
Olha, excelente resumo. Quando existir uma versão inglesa, avisa-me que é para poder comprar. A não ser que te oferças para fazer a versão portuguesa...
VOu repetir a pergunta: Tem em inglês ?
Compactuo com o que você traduziu. Também tô ficando velho...acho que nunca mais vou ver e sentir o que sentia em 71, 72, 73,... até 82.
Ele disse tudo. Só a falta de vergonha na cara nos faz quem viu à época anterior ao pacto da concórdia, ainda assistir essa porcaria corporativa que se transformou a F1. A Champ Car mesmo ruim de grana é um automobilismo autêntico, coisa que a Fórmula 1 começou a deixar de ser em 1982.
Wallace Michel
Caros, nao há projeto do lancamento deste livro em outros idiomas, ainda. Confesso que, se tivesse dinheiro sobrando, bancaria do próprio bolso uma edicao para o mercado brasileiro, porque o material é de primeiríssima qualidade.
Seria quase um gesto de caridade porque, infelizmente, livros sobre automobilismo no Brasil que nao tenham no título as palavras "Senna" e "herói" sao um fracasso comercial retumbante.
ico: nada a acrescentar em relação ao texto do nosso colega austríaco. só queria afirmar que concordo inteiramente com você sobre traduções. na maioria das vezes, o obra traduzida já nem é a mesma obra. pode até ser uma boa obra, mas é outra...
Excepcional. Zwickl, como você mesmo disse, foi definitivo: traduziu tudo o que nós, passados dos 30, pensamos sobre a F1 e o automobilismo de hoje.
O trecho final, sobre a formação dos pilotos, deveria ser enviado a todos os pais que colocam os filhos para correr de kart (e sem admitir o segundo lugar!) aos 8, 10, 12, 16 anos de idade, para que eles pensem bem no que estão fazendo com suas crias. Mas... será que alguns deles realmente vão se importar?
Tenho orgulho de dizer que assisto à corridas à quase 20 anos. Graças a Deus tive a sorte de ver o crepúsculo do automobilismo, vi Senna correr. E apesar do trecho do livro aqui traduzido ser curtíssimo, concordo com cada linha. Como não sei ler em alemão, me contentaria em comprar o livro traduzido mesmo, hehe.
O grande problema é que essa geração atual que começou a assistir corridas na época da "roda da fortuna" parece totalmente satisfeita com o automobilismo atual, e por isso não move uma palha para mudar algo. Será que somos nós que estamos ficando velhos e rabugentos?
Abraços!
Não.DEFINITIVAMENTE não estamos ficando velhos e rabugentos.Primamos pela qualidade,isso sim.Quem viu Piquet se engalfinhar com Mnasell,Prost(que era chamado de bundão,atualmente seria o rei do arrojo)se digladiar c/ Senna,Gilles dar shows inesquecíveis,Lauda dar aulas de pilotagem e extrema coragem,não pode se contentar nem c/ os parcos momentos que o grande Schumacher teve p/ demonstrar seu enorme talento.A F1 está tão CERTINHA que está se tornando um belíssimo campeonato de............
XADREZ!!!
Táticas decididas por equipes,ultrapassagens nos pits,corridas sendo definidas nos treinos classificatórios.Tudo muito metódico,perfeito e CHATO.
Gosto de pilotos decidindo no braço o resultado final das corridas,assumindo riscos em manobras ousadas.Mas,parece que a f1 do dinheiro gosta memsmo é de se parecer com...........XADREZ.
Ah,para terminar,não tenho nada contra xadrez,mas o dia que alguém de vcs virem arquibancadas lotadas para assistir uma partida de xadrez me digam,daí paro de reclamar e admito que esporte bom de ver não é aquele movido pela emoção e sim pela monotonia.
Tive o prazer de trabalhar lada a lado com o Helmut, especialmente na temporada de '97 quando ambos eramos os reporteres "freela" da Motorsport Aktuell junto com um colega da redação.
Se houver uma versão em português, pode apostar que terei algo a ver com isto e o divulgarei no meu blog.
Por enquanto estou esperando o meu exemplar autografado...
Meus caros, prestem atenção na capa: Ayrton Senna, numa McLaren, em primeiro plano! Como alguém acima já deixou implícito, acho que na Áustria, o Senna não tem um apelo comercial, como no Brasil. Tampouco penso que tenha sido uma escolha gratuita. Considero, portanto, que os editores deste livro, mesmo sendo austríacos, deram mostras de reconhecimento e apreço ao piloto brasileiro...
Sim, poque tem gente que acha que o Senna é invenção do Galvão Bueno...
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