Uma das experiências mais desconfortáveis por que passei na cobertura de um GP de Fórmula 1 foi em uma rara oportunidade de fazer uma entrevista “one-to-one” com Fernando Alonso. Foi em 2004, em Interlagos – antes, portanto, dele se tornar (bi-)campeão mundial. Tinha sido uma temporada difícil para ele e eu imaginava que teria algumas dificuldades para conduzir a conversa numa boa. Mas nem em sonho eu conseguiria antever o que viria pela frente.
Era como se eu estivesse tentando abrir um livro, mas este fosse hermeticamente fechado, com todas as suas páginas coladas. Perguntas fáceis, como a precocidade da primeira pole ou da primeira vitória, eram respondidas com um monossílabo. Perguntas difíceis, como as dificuldades para superar Jarno Trulli na primeira metade daquele ano, também. Não foi difícil perceber que o problema ali não era uma possível falta de inteligência do entrevistado (nem do entrevistador). O problema era que, simplesmente, Fernando Alonso não se abre. Com ninguém.
O que eu vivi naquele quarto de hora foi uma amostra do que os engenheiros da Renault viveram por cinco anos, há vários relatos sobre isso. E é o calvário que a McLaren vive agora. O espanhol, fechadão o tempo inteiro, não demonstrou com clareza sua insatisfação com o tratamento a Hamilton até explodir com Ron Dennis na Hungria – e quando soltou os cachorros para a imprensa no sábado do GP da China.
É mais do que claro que ele não vai ficar na equipe – um não quer mais o outro. Mas é impossível saber até que ponto as manobras internas de Alonso ocorreram por “criancice” ou por maquiavelismo mesmo. Só mesmo Alonso sabe se ele é apenas um menino chorão ou um cara esperto que resolveu desestabilizar o ambiente para tentar fazer o mesmo com o companheiro de equipe.
Não vamos esquecer que ele tem cacife para bancar este jogo. De um lado, é bicampeão do mundo. De outro, foi ele quem garantiu à McLaren um de seus principais patrocinadores (um banco de seu país) e pode muito bem levá-lo embora para onde quiser.
Se ele perder o título no outro domingo para o companheiro novato, vai ganhar uma bela mancha no currículo. Mas vai se mandar para uma outra casa e tentar se reerguer por lá – tempo para isso ele tem de sobra.
Mesmo se ele se sagrar tricampeão em Interlagos, dificilmente ele continuará na McLaren. Terá constituído então uma das maiores peças já pregadas na Fórmula 1: a de levar uma equipe grande ao desequilíbrio e deixar a casa inteiramente revirada, levando consigo uma bela bolada de dinheiro.
Como um adolescente “rebelde sem causa”; ou como um bom ladrão de casaca. Certo mesmo é que ele continuará sendo um enigma.
3 comentários:
Minha opinião é de que esta "era" que vivemos, em que crianças crescidas são lançadas numa fogueira das vaidades, onde na verdade são marionetes de velhos carrascos do esporte, o deixam assim, perdidos, confusos e creio que apesar da fama e fortuna, infelizes. Quando se deparam com um jornalista que como você mesmo disse que tenta um diálogo aberto, as respostas monossilábicas soam como se dissessem: "não vai arrancar nada de mim, pra sair contando minhas fraquezas para todo mundo!"
É uma coisa triste isso. Tão contrastante com o clima descontraído de anos passados onde todo mundo estava, no fundo, se divertindo.
Abraços!
HUm, realto muito interessante. Mas então nunca invente de entrevistar o Bernie Ecclestone. Se a tua pergunta não for muito bem costurada de forma que seja obrigado a comentar algo, mais que "yes" ou "no" dificilmente passará dos lábios do Bernie. Muito econômico ele...
E permita-me uma pequenina correção: O Santander fechou com a McLarenpor causa do Alonso, isto está certo. Porém, e se você se lembrar justamente este conhecimento meu causou um atrito dentro da McLaren, o contrato não faz referência ao piloto especificamnente. A McLaren não faz contratos relacionados (pelo menos no termos) a pilotos específicos. Se Alonso se mandar, Santander não tem outra opção além de ficar. Queiram ou não.
Sugestão: Pode falar o nome Santander ao invés do "banco de seu país", ninguém aqui vai se sentir influenciado por isso. É como a atitude da Globo de ficar falando RBR e STR.
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