Miserável, desamparado. Foi assimqueme sentia quando cheguei ao hotelem Xangai, trinta horasdepois de tersaído de casa. Confessoque sou daquelas pessoasque detesta deslocamentos. Se eu pudesse escolherumpoder de super-herói, seria o tele-transporte. Não gostaria de voar, de serindestrutível, de tergarras de Adamantium ou o martelo de Odin. Só queria ir de umlugar a outro do planeta num estalar de dedos.
Nãoque as viagensemsi sejam uma tortura – embora o momento da aviaçãocivil mundial se esforce ao máximoparaisso. Eu tenho vinte dias de música no meu iPod; estou me divertindo à beçacom “Slam” (maisumlivro do Nick Hornby); assisti a ummontão de filmes (“Frost/Nixon” é excepcional, imperdívelmesmo; “SeteVidas”, com Will Smith, umporre, foi duroassistiraté o final – que, obviamente, é ridículocomosó os blockbusters americanos sabem ser). Dá paraverqueeume ocupo. Mas abomino esses deslocamentos, acho-os puraperda de tempoprodutivo.
A chegada na China, então, foi umpesadelo. Tem a questão do fusohorário, que derruba qualquerum. Teve o horário do vôoqueeu peguei, aterrisando no aeroporto de Pudong às duas horas da manhã. E têm os motoristas de táxis chineses...
Todavez é a mesmacoisa: eu chego no aeroporto, vou a umguichê de informações e peço para o cidadãoescrever o nome do hotelemqueeume hospedo, perto do circuito, emmandarim. Vou ao taxista, o de ontemcomaspectobonachão e vestindo uma ridículacasaca de marinheiro. Ele sorri, soltaum “OK” e desembesta a falar. O motivoeunão sei, porque é óbvioqueeunão estou entendendo nada.
(Abro umparênteseaqui. O Japão é outropaísonde há umchoque cultural enorme. Mascom uma diferençamarcante: os nipônicos sabem quevocênãofala a língua deles. Porisso, se concentram na hora da comunicação e sãomestres na arte dos gestos. No anopassado, voltei desesperado a umrestaurante e fui explicarcomgestosque achava ter esquecido a fonte do laptop na mesaemque havia me sentado horasantes. Emmenos de cincominutos, a garçonete entendeu meuteatro e me levou onde guardava uma caixa de achados e perdidos. A fontenão estava lá, maseu fiquei admirado com a perspicácia da mocinha).
Voltando à Xangai: a saída do aeroporto dá numa grandeviaexpressa. E desta vez estava uma neblina dos infernos. O quenão impediu o nossoheróicomotorista de sacarumcelular enquanto dirigia e ligarparaumamigoparaperguntarondeerameuhotel – eu percebia issoporqueele repetia o nome do bairro várias vezes, “Jiading, Jiading”. Pôxa, a expressão assertiva de anteseraparaquê? “OK mano, eu conheço umhotelem Xangai, vamos torcerparaque seja o seu, tá certo?”
Eu lembrava vagamente do caminhoque fiz no anopassado, entãomeudesânimo se transformou emdesesperoquando o Santanão (sim, aquiquasetodos os táxissão o similar chinês do VW Santana) embicou numa ponteque ia para o centro de Xangai. Imagine quevocê chegou em Cumbica, sabe queseuhotel é em Jundiaí, mas o motorista pegou a Ponte das Bandeirasemdireção ao centro. Às trêshoras da matina! Depois de trinta de viagem!!!
Práticoque sou, me apressei no banco de trásparacolocar no celular o chip chinês que havia comprado em 2008, rezando paratercrédito. Ligo parameuhotel, masninguém atende. “Ótimo”, pensei, “além de nãoobterajuda, vou dar de caracom a recepção fechada se chegarláporalgummilagre”. O roteiro de filme do Martin Scorsese (“After Hours”, sabe?) começou a mudar quando achei umpapelcom a lista dos hotéis recomendados aos jornalistaspelaFIA (sim, quando a viagem é num paísexótico, elesnos dão uma mão, Mosley não é tãosádico, afinal).
Havia umoutroem Jiading, eu tentei o número e dei sorte. Expliquei à recepcionistameudesespero e passei o celular pro motorista. A conversaentre os doisnão durou umminuto, tempoparaexpirar a réstia de créditosqueeutinha no cartão. Já antevendo queeu terminaria a noite numa versão xangaia de Parelheiros e preso no táxi de ummaluco, soltei um angustiado “Hotel, OK?”, quandomeuquixotescochofer sorriu e emendou um ok, ok, ok, antes de virar numa outra autovia à esquerda.
Foram mais uns cincominutos de agoniaaté aparecerem as primeiras placascom o nome “Jiading”. Suspirei aliviado, recostei no banco e a viagem seguiu até chegarmos ao hotel... queeu havia telefonado, masnão o queeu estava hospedado! Não fazia sentidotentarexplicarcommímicas ao motoristaquemeudestinoeraoutro, nem a Denise Stoklos seria capaz disso. Fui até a recepção, onde a mocinha arranhava uminglês. Contei queeraeuquemtinha ligado antes, masque, na verdade, estava hospedado no “Blue Palace”, no mesmobairro.
O sorriso da jovemveiomaisamareloquesuapele: “I’m soly, Sãl. I ave no Idea whel’s the Blue Palace”. O condutor-marinheiro pergunta o que está acontecendo, os dois conversam emMandarim e ele, resoluto: “Hotel, ok, ok”. Tãoresolutoqueeunem cogitei nãoentrar no táxiparamais uma aventuramaluca num paísmaisdoidoainda. O passeio a esmo seguiu por uns vinte minutosaté chegarmos a uma esquinaondemeusinstintos gritaram e eu gesticulei freneticamente: “here, left, left!” “Ok, ok!” Mais duzentos metros: “now, right, right”, “Ok, ok” e o portal modernoso do Blue Palace despontou sobre a carenagem do Santana.
Táxipago, ando até a recepçãoondetrêsfuncionários checavam papéis comconcentração e disciplinaoriental. “Welcome, Sãl!” “Hi! Don’t you ever listen to the telefone ringing?” “Ok, ok, sãl, youl name, plís?”
Trinta horasdepois de sair de casa, às 4 da manhã do horáriolocal, desmaio na camame sentindo ummiserável e convencidoque o inferno é umpaíscom 1,35 bilhões de pessoasque dirigem feito loucas, comem cachorros e ignoram que há gente no planetaincapaz de compreender o idioma deles.
+++
Acordei porvolta do meio-dia e, comoainda amanhecia na Europa e o veredicto da FIAainda demoraria, fui passearpelocentro do distrito de “Jundiaíng”. Dei de caracom algumas ruas históricas, subi no alto de um lindíssimo pagode e depois visitei umtemplo de Confúcio, onde havia uma exposiçãosensacionalsobre os exames de aptidão das dinastias chinesas. É a base de umsistemaeducacional inteligentíssimo que impulsionou a expansão de seupovo e de onde surgiram conceitos filosóficos e mesmoreligiososque tiveram uma influência esmagadora na raçahumanacomoumtodo.
Foi uma grandetardequeme deixou alegre, leve e maravilhado comtudo o queeu vi. Peguei umtáxi e, enquanto esticava a mãoparadar ao taxistaumpapelqueeu pegara na recepçãocom o endereço do hotelemmandarimjunto de ummapa, pensava num velhodito confucionista: “mesmo nas situaçõesmaispobres uma pessoaque vive corretamente será feliz”. Esqueçam a visão do inferno. A China é umpaís interessante demais. É só vê-lo com o espíritocerto...
Já tive um passeio com um taxista da Mauritânia, em Kansas City. O inglês dele era tão bom quanto meu árabe. A conversa acabou sendo em francês (meio enferrujado, mas rendeu).
Nossa, enxerguei no seu texto algumas coisas em comum com as minhas incursões em São Paulo! Inclusive esta filosofia de ver as coisas pelo lado bom. É algo extremamente necessário...
Para descontraíres, aqui vai uma piada que tem a ver:
- Um inglês visita a China, ainda no tempo do Mao Tse Tung. Na praça Tian-an-men, enquanto contemplava o retrato gigante de Mao, vira-se para o seu guia chinês e pergunta:
Ico, parabéns por ter chegado ao seu hotel! Já passei por situações semelhantes, embora não tão extremas, em lugares muito mais ocidentais. Muito mais...
os argentinos Vào te dar o endereço errado para você achar que buenos Aires é mais grande, os franceses vão fazer de conta que não entendem por causa do teu sotaque, os Mexicanos vão mudar a conversa e preguntar do Brasil sem importar se são 4 da manhã.
mais o importante é o espirito de viagem, que consiste em esquecer de todo o cansanço depois de cruzar a porta do aeroporto
Fantástico, Ico! Aventuras de viagem são excelentes histórias. Mesmo as coisas que achamos meio bestas, na verdade, são interessantíssimas para outros, vendo com o espírito certo =).
uhhauhau sensacional!! China é um dos meus próximos destinos, já está na listinha aqui, em terceiro lugar! me admira muito a cultura e a história desse gigante!
mas tenho de concordar, esses voos sabem ser exaustivos, mas o meu ultimo voo foi sensacional, estava vazio, eu levantei os apoios de todas os acentos ao meu lado, deitei como que em uma cama, e assisti uns 3 filmes de uma sessão especial leonardo dicaprio que havia a disposição, escolhi rede de mentiras, infiltrados e gangs de NY, e ainda escutei mais algumas horas e musicas vídeos e coisitas no meu ipod. qd cheguei no heathrow, nao tinha um chines, mas um arabe com um sotaque carregadiiiiiiiissimo que dificultou muito a minha vida...
uhauhauahuhahauhauahuahuahua viagens e translados são sempre a mesma coisa, só muda o país e o dialeto!
Rapidinho, preciso desmaiar na cama: - Carlos a piada é sensacional, grande hit na sala de imprensa! - Ulisses, o preço da viagem foi “só” uns 40 reais acima do preço que falaram que eu pagaria normalmente. Mas eu desconfio que este também estaria superfaturado. - Rodrigo, não, o Brasil não é “exótico”. A FIA só nos garante “auxílio-moradia” (mas não paga nada) em China, Bahrein e Japão. - Groo, melhor que o High Fidelity? Impossível! Nem About a Boy, que é sensacional (o livro, o filme não faz jus) chega perto de High Fidelity...
quando me pego nesse tipo de situação, primeiro bate um leve desespero, que logo vira em um monte gargalhadas, mesmo se eu ainda estiver vivendo a situação.
Muito legal o texto Ico, faz a gente ler até o final. Só uma coisa: acho que os Santanas de taxi na China não são clones são os mesmos feitos aqui em São Bernardo do Campo! Se não me engano, a VW exportava eles pra aí...
Na pauta desse blog, discussõessobre a Fórmula 1 emtodos os seusaspectos: histórias do passado, análises do presente, bastidores da cobertura e curiosidades. E muitamúsicaparatemperar essa mistura de razão com a paixãoque o automobilismo desperta.
Repórter de Fórmula 1 do Grupo Bandeirantes de Rádio, do diário Lance e da revista Racing. Apreciador de boa música, viagens e velocidade. Guitarrista amador, corredor de rua e piloto virtual.
31 comentários:
Ico, deu uma inveja boa da sua aventura chinesa!
Excelente texto e excelente humor!
Abraços!
Que aventura hein?!
Mas tudo isso é recompensado não é?
Bom trabalho esse fim de semana!
Ok Ok OK!
"Versão xangaia de parelheiros", essa ganhou hahaha
Se em português é tenebroso, em chinês é 1000 vezes pior....
Eu trocava um baço pra estar na sua situação!
amo taxistas/motoristas gringos!
Já viajei muitas horas com um austríaco e foi muito divertido. "conversamos" muito! Mais do que conversei com a maioria dos austríacos!
Ico, eu ja estive em Pequim e sei exatamente o que vc passou na mao do taxista, os caras ai na China sao meio loucos mesmo , rs
Abs. Marcio
Já tive um passeio com um taxista da Mauritânia, em Kansas City. O inglês dele era tão bom quanto meu árabe. A conversa acabou sendo em francês (meio enferrujado, mas rendeu).
Taxistas estrangeiros são divertidos.
muito bom os chineses falando inglês. haha
bela leitura pra distrair um pouco a cabeça desse dia de labuta ferrenha. no brasil, 16h. vc deve tá curtindo um ronco aí na "jundiaí" de xangai. haha
boa corrida pra nós, brasileiros!
Legais essas histórias, Ico. To esperando o podcast dessa semana.
Nossa, enxerguei no seu texto algumas coisas em comum com as minhas incursões em São Paulo! Inclusive esta filosofia de ver as coisas pelo lado bom. É algo extremamente necessário...
Ico, muito interessante ler essas aventuras internacionais!
Ico:
Para descontraíres, aqui vai uma piada que tem a ver:
- Um inglês visita a China, ainda no tempo do Mao Tse Tung. Na praça Tian-an-men, enquanto contemplava o retrato gigante de Mao, vira-se para o seu guia chinês e pergunta:
- Do you have eLections here?
Responde o guia:
- yes Sal... we have eLections evLy moLning!
Abraço e bom trabalho aí na China Ico.
E o precinho da 'corridinha' de taxi, 'justissimo' ou não?
Ico, parabéns por ter chegado ao seu hotel! Já passei por situações semelhantes, embora não tão extremas, em lugares muito mais ocidentais. Muito mais...
Penso em quanto saiu essa corrida toda. hahaha
Que aventura! Típico daquelas coisas que no caminho dá tudo errado mas no final acaba bem.
os argentinos Vào te dar o endereço errado para você achar que buenos Aires é mais grande, os franceses vão fazer de conta que não entendem por causa do teu sotaque, os Mexicanos vão mudar a conversa e preguntar do Brasil sem importar se são 4 da manhã.
mais o importante é o espirito de viagem, que consiste em esquecer de todo o cansanço depois de cruzar a porta do aeroporto
eh... não é facil depois de 30 horas de vôo..
Ico, por favor compra um GPS!
Nunca mais você vai ficar na mão de motorista mané!
Depois de várias aventuras como a sua ao redor do planeta eu resolvi que não tenho mais paciência pra situações desse tipo.
Pra qualquer lugar que eu vá levo o meu GPS. Que fala mandarim inclusive!
Abraços e bom trabalho
Muito legal o texto. Ainda bem que valeu a pena! heheheh
Jundiaing é sensacional! ótimo texto, invejável sua aventura!
Fantástico, Ico!
Aventuras de viagem são excelentes histórias. Mesmo as coisas que achamos meio bestas, na verdade, são interessantíssimas para outros, vendo com o espírito certo =).
Abração!
Ico, parabéns pelo texto! Me senti como se estivesse aí na China!
Certamente, essas hsitórias dariam um excelente livro sobre crônicas de viagem, como os feitos pelo Veríssimo.
Muito bom, ver o país por sua cultura. E nada melhor do que uma boa noite de sono para fazer a cabeça funcionar melhor! rs...
Abraços!
Quando á Fórmula 1 vem ao Brasil, a FIA também distribui uma lista com os lugares recomendados?
Pergunto para saber se ainda somos "exóticos".
Caramba, me vi dentro do taxi com você...
Adorei a parte da Denise Stoklos
Que epopéia é essa?!
Eu teria perdido a paciência...
"nem a Denise Stoklos seria capaz disso"
huauhauhauhauha
Genial, Ico!
uhhauhau sensacional!!
China é um dos meus próximos destinos, já está na listinha aqui, em terceiro lugar!
me admira muito a cultura e a história desse gigante!
mas tenho de concordar, esses voos sabem ser exaustivos, mas o meu ultimo voo foi sensacional, estava vazio, eu levantei os apoios de todas os acentos ao meu lado, deitei como que em uma cama, e assisti uns 3 filmes de uma sessão especial leonardo dicaprio que havia a disposição, escolhi rede de mentiras, infiltrados e gangs de NY, e ainda escutei mais algumas horas e musicas vídeos e coisitas no meu ipod.
qd cheguei no heathrow, nao tinha um chines, mas um arabe com um sotaque carregadiiiiiiiissimo que dificultou muito a minha vida...
uhauhauahuhahauhauahuahuahua
viagens e translados são sempre a mesma coisa, só muda o país e o dialeto!
bjoos
Ico, me perdoa, mas estou rindo muito aqui com a chinesinha que nem tinha ideia de onde ficava o Blue Palace.
Ce devia escrever um livro, com certeza ficaria melhor que o do Flavio Gomes, que também é bom, acho que teria mais verve humoristica que ele.
Mudando de assunto, este livro do Nicky Hornby é tão bom quanto o "High Fidelity"?
Ico, parabéns duplo.
Pela maneira de contar e pela enorme sacada do título do post.
Valeu pessoal, bacana que vocês se divertiram! :)
Rapidinho, preciso desmaiar na cama:
- Carlos a piada é sensacional, grande hit na sala de imprensa!
- Ulisses, o preço da viagem foi “só” uns 40 reais acima do preço que falaram que eu pagaria normalmente. Mas eu desconfio que este também estaria superfaturado.
- Rodrigo, não, o Brasil não é “exótico”. A FIA só nos garante “auxílio-moradia” (mas não paga nada) em China, Bahrein e Japão.
- Groo, melhor que o High Fidelity? Impossível! Nem About a Boy, que é sensacional (o livro, o filme não faz jus) chega perto de High Fidelity...
Abs!
Po Ico, eu ri pra caramba da sua saga!!
quando me pego nesse tipo de situação, primeiro bate um leve desespero, que logo vira em um monte gargalhadas, mesmo se eu ainda estiver vivendo a situação.
Muito legal o texto Ico, faz a gente ler até o final. Só uma coisa: acho que os Santanas de taxi na China não são clones são os mesmos feitos aqui em São Bernardo do Campo! Se não me engano, a VW exportava eles pra aí...
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