terça-feira, 23 de junho de 2009

A DECAPITAÇÃO DOS CHEFES

Apesar da temperatura amena que fazia em Silverstone no domingo pela manhã, consegui surfar. A onda, daquelas gigantescas, havaianas, se formou quando Max Mosley deixou o motorhome da FIA, seguido por um guarda-costas. Em torno dos dois, um mar de jornalistas. Enquanto a massa ia andando, o dirigente ia respondendo a uma bateria de perguntas em tom conciliatório – tom que foi mudado hoje, aliás. Na crista da onda, eu acompanhava o ritmo do grupo, o braço esticado ao máximo para captar algumas palavras do inglês. Como toda onda, esta perdeu força após um tempo e se dissipou. À minha frente apareceu Heinz Prüller, com mais de quatro décadas de experiência na Fórmula 1. Que ria: “se tem uma coisa que o Mosley adora é toda essa atenção”.

As conhecidas vaidades e a ânsia de poder do presidente da FIA não nos permitem dar crédito ao seu discurso de “defensor dos interesses da entidade contra a maldosa luta pelo ‘nosso’ poder por parte das montadoras descomprometidas com a F-1”. Ora, afinal esse mesmo senhor simplesmente destruiu há poucos anos o Mundial de Rali e espantou marcas que há muitos anos marcavam presença naquele campeonato – e justamente dentro de um triste sistema de agradar o maior número possível de presidentes de federações para se perpetuar no poder máximo.

É óbvio também que os homens da FOTA têm outros interesses do que apenas encerrar um dos muitos longos reinados de um dirigente que o esporte registra. Mas o quadro atual aponta que a única medida possível para a não divisão da F-1 seria a troca de comando da FIA.

Por coincidência, estava lendo no último final de semana um livro de contos do grande Ítalo Calvino. Um deles, “A decapitação dos chefes”, fala de um país onde a classe dirigente tem prazo de validade: quando ele expira, é feita uma grande festa e suas cabeças são cortadas em praças públicas.

Só os chefes podem ser decapitados, por isso não se pode querer ser chefe sem querer ao mesmo tempo o corte do machado. (...) Isso é o poder, essa espera. Toda a autoridade de que se usufrui é apenas o prenúncio da lâmina que assobia no ar, e se abate com um corte seco, todos os aplausos são apenas o início daquele aplauso final que acolhe a cabeça rolando pelo oleado do palanque”.

Seja qual for o desfecho dessa intensa e aborrecida disputa, fica a dica de Calvino para prevenir outras: criar um sistema que limite o poder dos futuros presidentes da FIA, da FOM e da própria FOTA. Porque a perpetuação dos mesmos nomes incorre neste sério risco: o desejo de ver uma cabeça rolando, mas que seria cortada à força.

9 comentários:

Felipão disse...

Estava pensando exatamente isso, nas inúmeras categorias que pereceram (ou quase) diante dos desmandos da dupla Ecclestone e Mosley. E, como foi dito, o Mosley gosta dessa atenção, tanto que pode se candidatar a reeleição no próximo ano...

Lucas Carioli disse...

Não escondo a minha opinião que no exato momento, Mosley tem melhores argumentos. Mas também não esqueço os verdadeiros crimes que ele e sua trupe cometeram com o automobilismo nos últimos 15 anos.

Por isso, e pelo desenrolar dos acontecimentos, penso que a única salvação para a continuidade da Formula 1 com a conhecemos é com a sua saída da presidência da Fia. Renúncia? Não acredito. Mas acredito que agora ele finalmente não tenha o apoio necessário para uma reeleição.

Unknown disse...

Qual o nome do livro?
Me interessei pelo conto!

Ron Groo disse...

Como em qualquer governo não é?
A alternancia de poder é fundamental para o jogo democrático.

Nestes termos poderiamos comparar a FIA com a Venezuela, e Mosley com Hugo Chavez.
Menos fanfarrão, claro!

LeandroSpectreman disse...

Ico, você bem que poderia, de quando em vez, nos brindar com algumas "dicas de leitura" para a contemporaneidade.
Quantas às cabeças dos chefes, que todas rolem, principalmente a do meu!

Lucas disse...

Ico, já percebeu a nova febre da F1?

Depois de Nelsinho, agora é a vez do Barrichello entrar no Twitter. E só hoje o cara já ficou horas no troço, parece menina adolescente!

Será q o Massa tbm entra nessa?

Anônimo disse...

Ico, como e bom ler um blog que vai ao vivo e a cores nas corridas F1, não palpiteiros de plantão, que já foram, mas não são.

Ico (Luis Fernando Ramos) disse...

Lucas e Leandro, o nome do livro é "O General na Biblioteca". Aliás, do Calvino eu recomendo tudo. O melhor, para mim, é o "Cidades Invisíveis". O livro da minha vida, na verdade...

Abs!

Daniel Médici disse...

"Cidades Invisíveis" (confesso) foi o único Calvino que li até hoje, e é realmente imperdível para quem viaja bastante.

Ótima citação, aliás, em tempos em que a Fórmula 1 passa por uma fase realista fantástica...