sábado, 25 de julho de 2009

O HOMEM QUE CALCULAVA

Até ontem, eu havia entrado apenas uma vez na sala de Flavio Briatore em um motorhome. Foi no GP da Áustria de 1999, quando ele gerenciava a Supertec, que fornecia motores para a estreante British American Racing. Era um lugar bem arrumado, mas ainda com cara de trailerum bem grande, mas ainda assim trailer. Um pouco escuro, com os espaços aproveitados ao máximo em nome da funcionalidade.


Ontem, aqui em Hungaroring, pude ver como os padrões da Fórmula 1 evoluíram na última década. No motorhome da Renault, o chefe ocupa uma sala ampla, com uma mesa de reunião média e mais quatro poltronas confortáveis, grandes televisores, uma pequena geladeira e uma decoração caprichada em tons pastéis que inclui uma revista com ele, Flavio, na capa. Espaço suficiente para receber a patota da FOTA ou quem quer que seja.


Como, por exemplo, a imprensa brasileiradepois de uma certa insistência de nossa parte ao longo da temporada. Calhou de ser justamente num momento delicado para a situação de Nelsinho Piquet na equipe. Mas Briatore não utilizou ou manobrou a ocasião para bater gratuitamente no seu pupilo. Gostaria de ter evitado o assunto, mas respondeu com firmeza quando confrontado pelos presentes: eu, Livio Oricchio do Estado, Tatiana Cunha da Folha e Felipe Motta da Jovem Pan.


“No início da temporada, eu nem falei com ele. Queria lhe dar liberdade para trabalhar, sem discutir ou colocar pressão. Então lidei com os engenheiros, sem interferir. E a cada corrida eu ficava lendo as páginas do livro de desculpas. li muitas delas, agora o livro está para terminar”, sentenciou o italiano. Briatore admitiu que Nelsinho muitas vezes recebeu um equipamento defasado, mas que o time levava isso em conta ao comparar seus resultados com os de Fernando Alonso. E reafirmou que os resultados estavam abaixo do esperado.


Mais tarde, confrontamos Nelsinho Piquet com o que Flavio havia dito. A resposta veio em tom de desabafo. “Embora em algumas corridas meu carro não fosse mais de 0s3 mais lento, com a proximidade entre todo mundo, 0s3 faz uma boa diferença. Às vezes são pequenas diferenças, mas elas, ao longo da corrida toda, viram uma bola de neve. Por ele ser apenas um empresário, ele não entende porra nenhuma do que três décimos significam”.


Para o brasileiro, correr ao lado de Alonso foi bom para que ele tivesse sempre de dar o máximo na hora de trabalhar. Mas reconhece que a situação de juntar um talento como o espanhol com o modus operandi do homem de negócios Briatore lhe atrapalhou muito. “O Flavio diz ser amigo do Fernando pelo interesse de tê-lo na equipe. Flavio não tem amigos. Ele pensa em negócios, o tempo inteiro”.


Voltando na cronologia das entrevistas e à sala de Briatore: Nelsinho tem razão. Em um momento, lhe pedimos uma comparação entre o trabalho gerenciando a Renault e o com o time de futebol Queen Park’s Rangers. Quando fala nos jogadores, cita a importância de ter um seguro caso algum deles sofra uma contusão séria, “porque sem o seguro, isto nos custa muito dinheiro”. Afirma que o segredo de ter um saldo positivo no futebol é pagar salários baixos aos jogadores. Enfim, fica claro que ele vê os homens da bola da mesma maneira que vê seus pilotos: como mera mercadoria. Mesmo ao justificar as diferenças de equipamento entre Piquet e Alonso, faz uma metáfora que ilustra perfeitamente seu modo de pensar. “É como em um açougue: às vezes, o vendedor embrulha a carne em um papel mais pesado que o outro. Mas a carne é a mesma”.


Este é o problema de Nelsinho Piquet. O piloto tem razão quando afirma que o chefe não entende “porra nenhuma” dos meandros técnicos da Fórmula 1. Não mesmo. E também não dá a mínima em tratar com respeito e parcimônia o ser humano que está debaixo do capacete caso isto não lhe represente uma vantagem.


E na avaliação do homem de negócios (seja por pressão vinda de cima da Renault, seja para promover outro produto seu com um valor de mercado potencialmente maior – Romain Grosjean), está na hora de trocar uma peça em seu sistema. Não há o que se possa fazer quanto a isso. It’s none of our business. Literalmente.


Entrevista encerrada, assim que apertamos o pause nos gravadores, Briatore dispara. “Ragazzi, me falem um jogador brasileiro bom e barato para eu comprar pro meu time”.


Hora de pensar no próximo negócio...

21 comentários:

Celso Vedovato - Salvador - Bahia disse...

Pois é Ico, parece que Briatore faz questão de transformar o ambiente em que vive num ninho de cobras, onde ele sabe ter o veneno mais poderoso. Shumacher e até Alonso se apressaram em deixar pra tráz a relação próxima com esse cara, claro que sairam para equipes melhores, mas o caráter de Briatore deve ter tido enorme peso nas decisões. Alonso mesmo só deve ter voltado por falta de opção melhor.
De outro lado uma provável dificuldade de Nelsinho Piquet por ter feito sua carreira em ambientes familiares deve atrapalhar bastante. Não considero isso um erro, apenas que que suas oportunidades surgiram dessa forma. Mas deveria saber o que encontraria na F1.
Ico, pelos seus comentários passo a confiar mais na possibilidade de Nelsinho encontrar um novo cockpit para a próxima temporada. Todos devem conhecer bem a cobra Briatore e o quanto ele deve ter interferido negativamente no trabalho de adaptação do piloto brasileiro.

Alexander disse...

Ico,

fantástica análise.

Abs,

Anselmo Coyote disse...

Ico,

Temos ouvido muito, desde o ano passado, que talvez a Renault nem corra em 2010.

O Alonso, finalmente, parece que está indo para a Ferrari e o Nelsinho, acredito, faz sua última corrida amanhã, tendo como substituto o Grosjean, como vc bem definiu, um produto do Briatore.
Para o lugar do Alonso nem boatos existem, que eu saiba. Aliás, nenhum piloto de F1 quer ir para lá.

Seria esse o resultado que a Renault esperava da administração do Briatore?

Também é fato que o Grosjean é filho do advogado da Renault em nível mundial e que o Briatore é o empresário desse piloto.

Por fim, o Alberto Valério, piloto da GP2 presenciou o Grosjean destratando o Perera depois de ter batido nele no treino. Segundo o Betinho, ao encontrar o Perera que foi tomar satisfações pelo acidente, o Grosjean lhe disse: Quem é você, numa nítida demonstração de arrogância.

Curiosamente, mesmo tendo batido no Perera e não ter obtido tempo suficiente para largar (107% acima do pole), o o Grosjean vai largar e o Perera foi punido.

São coisas muito estranhas analisadas individualmente mas que fazem todo sentido quando reunidas.

Juntando essas informações com o seu post é possível vislumbrar o "(i)mundo do Briatore".

Cada um que tire suas conclusões.

Abs.

PS. É um prazer ler seus posts.

Williams disse...

Ico,

Será que o Nelsinho já tem alguma opção para 2010 na F1? ele soltou essa declaração por estar de saco cheio ou porque já estaria próximo de outro time? Sinceramente, eu acho que Nelsinho não se encaixou muito na F1, mas gostaria de vê-lo mais um ano em outra equipe! Tem alguma informação sobre isso? Abraço

Rodrigo Andreiuk disse...

que análise boa!
gostei tb!

Jonny'O disse...

Francamente ,acho que a temporada passada já deu mostras que o Nelsinho não daria certo na F1 ou na Renault e fiquei suspreso quando ele foi anunciado como piloto para 2009 ,talvez Briatore não seja tão carrasco assim.

Alexandre Carvalho disse...

O modus operandi de Flavio Briatore não é nenhuma novidade e não difere em nada do modo de agir de muitos patrões espalhados pelo mundo, incluindo o Brasil.

E isso inclui até mesmo o mercado de jornalismo, tanto nas redações quanto nas assessorias de imprensa. De chefes venenosos, do tipo troglodita ou mesmo low profile, esse mercado está cheio. Os low profile, aliás, são os piores. Você mesmo conheceu um no ano passado, Ico, naquele café onde estivemos no final do ano passado, aqui em São Paulo.

Daniel Médici disse...

Ótimo perfil, Ico! Cria uma imagem e uma ambientação no início, onde insere o conteúdo informativo, e ao colocá-lo em outra perspectiva, desenvolve a análise. E no entanto o texto discorre como se essa estrutura fosse simples. Despretensioso, mas eficiente... Algum dia (quem sabe) eu escrevo um texto assim. Parabéns!

Fernando Kesnault disse...

Teríamos que fazer uma longa análise sobre a atuação do Piquet Jr. na f-1 mas, ele ter permanecido na atual temporada foi muito pelo pouco que apresentou como piloto de f-1. Ficou devendo e qto. às analises do Briatore são aquelas feitas por quem quer lucro em sua atividade (assim como nós todos), portanto nada demais, e a observação do "seguro" me parece normal sob ponto de vista jurídico sobre qualquer eventualidade que acontecer.

Anônimo disse...

Ico, não tenho Twitter, queria te perguntar, O massa teve alguma outra lesão fora as mencionadas ?

Te pergunto isso porque aquela imagem dele com a palpebra inchada e levemente cortada me assustou, confesso que quase chorei, queria perguntar se ele está ok nesse aspecto, tem alguma informação sobre isso ?

abraço

Anônimo disse...

Estao espantados? Sao so negocios. Bela reportagem, so mostra a reliadade nua e crua que ninguem quer ver.

Luiz G disse...

Ico, não podemos culpar o Briatore por ser quem ele é.

Briatore só pensa em negócios e tem sucesso no que faz.

Senna e Schumacher só pensavam em corridas e tiveram sucesso no que fizeram.

Ninguém vai pra F1 fazer amigos, disso todo mundo sabe.

Se Nelsinho quer bons amigos, que vá para outra categoria.
Se ele quiser vencer na F1, tem que pensar apenas em corridas e mais nada.

Theo Feitosa disse...

Ico, parabéns por este texto extraordinário que conseguiu passar ao público brasileiro a cobra que é o Flávio Briatore e mostrar esse mundo imundo (trocadilho horrível, eu sei, rs) da Fórmula 1. Cara, o seu texto é leve, preciso, criativo e engraçado, informativo e sem ser chato. Não conhecia o seu blog mas á partir de agora vou passar á acompanhá-lo. Mais uma vez parabéns pelas análises e continue assim...

Anselmo Coyote disse...

"Ico, não podemos culpar o Briatore por ser quem ele é."

Ico,

Não quero polemizar seu blog, mas, com todo o respeito, não concordo absolutamente com esse comentário acima feito pelo colega Luis G.

Senão não podemos culpar ninguém por mais nada. Basta a pessoa dizer "eu sou quem eu sou" e pronto.

Peço desculpas novamente, mas, a prevalecer esse pensamento, se um de nós for assaltado e assassinado em um sinal de trânsito a culpa será nossa por estarmos lá, parados, e nunca do assaltante homicida, porque ELE É O QUE É e NÃO PODE SER CULPADO.

Sinceramente.

Pedro Migão disse...

Caro Ico, posso publicar este excelente texto - com o devido crédito, lógico - no meu blog pessoal ?

sds e obrigado

Luiz G disse...

Anselmo Coyote,

Você está certo em sua colocação. As pessoas tem que ter auto-crítica ou ouvir a crítica dos outros e refletir sobre seus atos.

Caso contrário, cada um sempre vai fazer o que quer e as sociedades viram um caos.

...mas eu não pretendia que levassem meu comentário tão ao pé-da-letra. Eu quis dizer que, considerando que o Briatore é um empresário, ele age da forma que sabe para atingir sucesso no que se propôs. Todo mundo do automobilismo conhece o Briatore e sabe como ele é, no entanto, todos os pilotos querem sucesso a qualquer custo e assinam qualquer pacto diabólico para isso...e depois, reclamam. Eu acho que, para evitar que um cara como Briatore aja do jeito que age, basta ninguém aceitar trabalhar com ele. Seria melhor do que assinar um acordo e ficar se queixando depois.

Por isso que afirmei que "não podemos culpar o Briatore por ser quem ele é"....Pois ele não vai mudar para agradar o mundo. O mundo é que tem que evitá-lo.

...Mas eu agradeço sua crítica. Esta é uma questão polêmica, eu me expressei mal e espero, ter sido mais claro agora.

Grande abraço.

Anselmo Coyote disse...

Luis G.

"...Pois ele não vai mudar para agradar o mundo. O mundo é que tem que evitá-lo."

Concordo inteiramente!

Por isso vivo dizendo que o Nelsinho jamais devia ter entrado nessa roubada. Que aprenda de uma vez por todas.

Por fim, Luiz G, só os grandes reconhecem os próprios deslizes, o que os fazem maiores.

Abs e felicidades, sempre.

Anselmo Coyote.

Anselmo Coyote disse...

Luis G.

Agora falando de Nelsinho e de F1 que é o que nós gostamos...rs.

Sou fã do Nelsinho por tudo que fez na base e pelo Nelsão, meu ídolo no automobilismo, ao lado do Emerson Fittipaldi.

Se o Nelsinho é bom ou ruim como piloto de F1 saberemos o dia que ele tiver um carro competitivo e uma retarguarda decente na equipe, o que jamais aconteceu ou acontecerá na Renault de Flávio Briatore e Alonso.

O que eu posso é que GP2 onde os equipamentos são similares, com 26 carros, ele deu pau em 24, perdendo apenas para o Hamilton, mesmo assim na última prova.

Eu não acredito que um piloto assim, aliás, que qualquer pessoa durma gênio e acorde retardado, que é o que a Renault faz o Nelsinho parecer.

Abs.

Ico (Luis Fernando Ramos) disse...

Sensacional! Um dia eu queria era juntar o povo desse blog para uma cervejada. Discussao de alto nível é isso aí. Valeu!!!

Anônimo disse...

Vandilson Nascimento;
Ico, mais uma belissima analise, de alto nível e agradabilissima !

Muita gente que é contra o Nelsinho, nem sequer sabe da trajetória dele, da qualidade do garoto ! como disse o Anselmo: Eu não acredito que um piloto assim, aliás, que qualquer pessoa durma gênio e acorde retardado, que é o que a Renault faz o Nelsinho parecer.

Há ! Ico, gostei da ideia da servejada tambem ! ! !

Anselmo Coyote disse...

Ico e amigos,
Bom, mineiro que sou, faço questão de levar umas coisinhas para beliscar e bebericar. Carne de sol de Montes Claros, queijo do araxá e cachaça de Salinas-MG. Boas entradas para a cervejada. Para garantir vou levar uma garrafinha extra porque não tomo cerveja, mas não perco esse encontro por nada desse mundo...rs.
Abs.