Posso dizer que já corri em Monza. Corrida a pé, entenda-se, mas corri. A volta aconteceu no final do último sábado e vai ficar marcada para sempre na memória. Para quem ama o automobilismo, há uma admiração natural pelos circuitos míticos, os repletos de história e tradição. Desde 2006 eu venho ao GP da Itália, já havia me deslumbrado com a atmosfera mágica do parque que cerca o circuito e com a energia dos tifosi, mas ainda não conhecia o traçado. Foi como encontrar um ídolo.
Saí dos boxes logo atrás de um grupo de mecânicos da McLaren, que já havia aberto uma certa distância ao chegar na primeira chicane (nem preciso dizer que sou um praticante de esportes, mas nunca um atleta. Meu tempo de corrida nunca foi dos melhores). Ali, uma faixa colocada por torcedores italianos chamava a atenção: “Rubens, la opra d’arte em movimento”, uma mensagem de apoio ao brasileiro da Brawn GP usando o pintor barroco belga como referência. Pena que não tinha a câmera fotográfica comigo (por motivos óbvios, já basta minha barriga de peso extra para carregar).
Na Curva Grande, deu para perceber algo que nem sempre é tão claro na televisão (e que não existe no GPL): ela, as duas Lesmos e a Parabólica possuem um leve camber favorável que as torna ainda mais velozes. Na freada da Variante della Roggia, fui alcançado e ultrapassado por um mecânico que corria num ritmo bem forte. “De KERS é fácil”, brinquei. “Mas vá até o final, eu ainda posso quebrar no meio do caminho”, incentivou ele. E desapareceu.
Ao chegar nas duas Lesmos, o cansaço é superado pelo incentivo psicológico de ter deixado a primeira metade do percurso para trás. Os muitos torcedores que acampam por ali não se importam muito com o solitário corredor na pista. A claridade está indo embora e o cheiro do jantar deles toma conta do ar. Na pista, alguns carros de serviço passam rapidamente, as luzes amarelas do teto criam um contraste interessante com o asfalto escuro.
Fazendo o Serraglio, rumo à Ascari, três torcedores bêbados se divertem comigo. “Troppo piano (muito devagar)”, riem. “Mais rápido que o Badoer”, respondi. O clima é agradável e o odor de comida dá lugar ao das árvores que tomam com intensidade aquela parte do parque. Alguns funcionários trabalham na placa do patrocinador que fica antes da Ascari, apoiada nas paredes do oval. Penso no acidente de Jean-Pierre Sarti do filme “Grand Prix” enquanto me espanto em como a descida naquele trecho é mais acentuada do que parece na televisão.
Na variante Ascari, um suspiro ao lembrar do acidente fatal do homem que batiza a curva. A reta que leva à Parabólica parece interminável. Eu aperto o ritmo, a noite cai definitivamente e o pensamento repassa as imagens da morte de Jochen Rindt na cabeça.
É quando escuto duas figuras surgindo velozes do breu. Olho para trás e Robert Kubica me cumprimenta com um “hi”, colocando em prática o código mundial dos corredores de se saudar assertivamente quando se encontram (porque isto acontece, eu não sei, mas corredores às vezes agem como se fossem uma sociedade organizada). Na freada da curva, ele e seu engenheiro Antonio Cuquerella tomam a trajetória externa e somem na escuridão, os passos do polonês são curtos e decididos. Quem disse que não dá para ultrapassar ali?
Curva feita, a reta principal de Monza surge como uma passarela majestosa na frente, iluminada pelas luzes do prédio acima dos boxes. É diante dele que eu faço o alongamento, o pitlane com aspecto ainda mais deserto com as portas de todas as garagens fechadas, com exceção da que faz a ligação com a parte interna do paddock, onde alguns jogos de pneus são armazenados. Tempo de ordenar os pensamentos depois desse passeio encontrando pilotos do presente e fantasmas do passado. O templo foi explorado e foi bem melhor que eu imaginava.
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31 comentários:
Perfeito ICO ! Próxima vez deixa umas gramas de peso "extra" para trás e leva a máquina !!!
Vc tá devendo !!!
Abraços !
Sensacional, Ico! Parabéns!
Abraço,
Renan
Nossa Ico, essa foi de f*der!!!
Belo relato, belo texto.
É muito bom ser representando por alguém que, sabemos, conhece, gosta e respeita o automobilismo como vc!
Abraços do Splash-and-go!
Excelente texto ! Muito boa a performance já que você enquanto corria conseguia relatar a pista e a história !!!
Cara, bem legal isso!
Já tive a oportunidade de dar uma volta no circuito de montreal. Nos fins de semana uns cones separam a pista em pista pros carros e pista para ciclistas e corredores.
O legal é que assim que eu cheguei na ilha de Notredame, eu to procurando a pista (estava no meio de um estacionamento), quando piso numas listras branco e vermelho... estava na virage du Casino sem querer!!!
Foi muito legal, o parque é bastante agradável tb. Ah, e a reta do circuito também é ENORME! Imagino como deve ter sido a reta em Monza...
SHOW Ico !!! ABRAÇO
Ico, muito legal...
Acho que já contei aqui, vivi sensações parecidas em Monza 2006. Consegui realizar um dos sonhos de F1, que era ver a corrida em Monza. Com um ingresso prato (grama), comprado por amigo que mora na Umbria, fui à corrida. Este ingresso é uma boa opção, voce assiste a corrida da parte interna do autódromo, tem acesso total a livraria e ao parque. Entrei pelas Lesmo, fui saboreando cada passo pelo parque, ainda era bem cedo, tinha aproveitado os trens de graça de dia de corrida na Milano Centrale. Fui as curvas inclinadas, míticas, ali nos sentimos na história, parece até que nossos olhos veem tudo em preto e branco...emocionante. Passei o dia pra lá e pra cá. Me lembro de ver Hamilton sagrar-se campeão da GP2 batendo Piquet. Na largada da F1 o barulho ensurdecedor pelo parque e autódromo inteiro. Vi os tifosi irem a loucura com a quebra de motor de Alonso e chorarem de alegria com a vitória da Ferrari de Shummi. Ao fim da corrida fiquei perto do portão interno da parabólica, por ali os tifosi invadem a pista para aproximaren-se do pódium. Correr pela parabólica e reta para chegar perto do pódium foi uma grande emoção. Voltei a ter 7, 8 anos, brincando de carrinho de rolemã e imitando meus ídolos. Depois da corrida, fiquei passeando pela pista, vendo chicanes, curvas, pegando pedaços de borracha - rsss, pedrinhas da área de escape para recordação...Um dia inesquecível.
Demais!!! São muito bons esses posts sobre o 'outro lado' das corridas que vc faz de tempos em tempos.
Parabéns
Olá Ico.
Que PRIVILÉGIO hein!!!(repare nas letras maiúsculas). O cenário não poderia ser outro (na verdade poderia ser também em Spa, mas aí você teria que sair de manhã bem cedo e sem Kers você não chega na Bus Stop antes de anoitecer rsrsrs).
Brincadeiras a parte, mais uma vez parabéns e obrigado trazer essas sensações boas do mundo da Formula 1 pra gente.
Valeu Ico
Este tipo de post faz valer a pena passar por este blog.
Muito bom.
Este lado mais fã e apaixonado, é algo que realmente está em falta na F-1 atual.
E logo Monza ? Se inveja matasse, eu não conseguiria terminar de escr....
(hehe)
Duca! talvez sej por isto que corro uns 7/8 kms....´faz parte das coisas a realizar correr em circuitos'!
Barbaro!
Caraca Ico esse post foi demais cara... po me deu vontade de largar tudo aqui e ir dar uma corridinha em Monza tmbm hehehehh
Também tive a oportunidade de dar uma voltinha em Monza e realmente é inacreditável... mas o mais legal é ir até as antigas curvas inclinadas!!!
Abração!!!
Fiz isso em 2000 no antigo Hockenheim... Passando pelas infinitas retas em meio à Floresta Negra... como você mesmo disse, "um sonho realizado"...
Grande Ico, como iniciante que sou na arte de fazer jornalismo, me espelho em você. Gostaria de um dia poder viver algo parecido com essa experiência e escrever tão bem quanto você. Grande Abraço
Ico, como propaganda do cartão não tem preço.
SONHAR É POSSIVEL.
Cara, que relato fantástico...
Belo relato, Ico. Fantástico! Parabéns!
Abraços,
Boa cobertura em Cingapura.
Buber... Hockenheim antigo.. meu deus... quantas horas levou?
Cara... qndo chegasse ali na segunda chicane cairia duro, pois mal teria chegado a metade!!!
Muito bacana, Ico. Só faltou lembrar que, na Curva Grande, ocorreu uma das maiores tragédias do motociclismo.: as mortes de Renzo Pasolini e Jarno Saarinen morreram no GP da Itália de 1973 nas 250cc, algo tão significante para o mundo das motos quanto à morte de Senna para a F-1.
Interessante! Mas está nos devendo a sensação de guiar nos 22km da "Floresta Negra"
E este é dos melhores textos que você já escreveu aqui ICO...por juntar a expriência de percorrer Monza recordando a história de cada parte do circuito ( e quanta história ) e por o fazer ao mesmo tempo que fazia o desporto que faço 2 vezes ao dia ( 8 km cada vez ) e sei bem aquilo que se sofre para manter o ritmo e aguentar distâncias.
E é verdade...sempre que os corredores se cruzam se cumprimentam...eu acho que explico isso com aquilo que sinto quando o faço também ...porque ambos estamos em esforço, ambos estamos deixando tudo, é uma espécie de solidariedade para com o outro na mesma situação.
Ico, três grandes prazeres reunidos: correr, estar em um autódromo e escrever!
Excelente texto. O relato é uma obra prima. Parabéns
Legal Ico. Acompanho F1 desde 88 e adoro ler sobre o passado e aqui no seu blog me senti bem à vontade. Parabens por tudo e aos poucos vou lendo post à post.
Um abraço,
Carlos Eduardo Sá Fortes
Ico:
Nesta sexta ensolarada, acordar cedo, passar aqui para "ver" v. e me deparar com essa crônica linda como um sonho bom que me transportou para meus 15 anos, quando percorri Interlagos à bordo de um velho Dodge e me surpreendi com a grande elevação daquelas curvas, é muito bom. Valeu. Vou agora para meus 8 km na esteira companheira, imaginando a felicidade de correr revivendo a história daquilo que se ama.
Saudades maiores.
Pai
Ico,
Que texto fantástico!
Parabéns!
Meu respeito por seu trabalho aumenta a cada post.
Well Done!!!
www.oconsumidoremdebate.blogspot.com
Ico,
também tive este privilégio, após a vitória de Barrichello, em 2002. Alias, parecia uma romaria, de tanta gente que fazia o mesmo...hehehe.
Eu considerava indescritível relatar a experiência de passar por cada ponto do Templo Sagrado da fórmula 1...mas depois do seu comentário, confesso, a coisa ficou mais 'acessível'.
Assino embaixo, realmente, foi demais!!!
Excelente texto Ico. Parabéns!
Só por curiosidade: em quanto tempo você percorreu todo o traçado?
Grande abraço.
Emocionante!
E ainda descobri que temos outra coisa em comum: a barriga.
Mais rápido que o Badoer, ô maldade...
To com inveja deve ter sido uma experiência sensacional mesmo, é como vc disse os circuitos míticos realmente despertam um prazer enorme.
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