segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

TV BLOGO – OS SHOWS DA MINHA VIDA (8 – MUTANTES)


Para mim, a história desse show de retorno dos Mutantes começou com uma década de antecedência. Mais precisamente em 26 de março de 1995. Enquanto aguardávamos na sala de imprensa de Interlagos por uma decisão da FIA quanto ao resultado da prova (por uma questão operacional quanto ao combustível, as equipes Benetton e Williams estavam sendo investigadas), meu editor Castilho de Andrade me chamou a uma mesa para me apresentar a um sujeito alegre e bonachão. “Garotinho, esse aqui é o Dinho, assessor de imprensa da Marlboro. Ele é irmão do Reginaldo Leme”. Não demorei mais que meio segundo para unir os pontos. “Você é o Dinho Leme, baterista dos Mutantes”, perguntei. Diante do sorriso afirmativo, saquei a câmera fotográfica e registrei uma imagem ao lado do ídolo.


Numa dessas
voltas que o mundo dá, alguns anos depois fui trabalhar no escritório de assessoria dele, que passou de ídolo para colega e, acima de tudo, um amigo. As oportunidades em que a gente se engajava numa conversa sobre a banda eram raras, mas curtidas. A impressão que eu tinha é que a música era um capítulo encerrado na vida dele. Num armário em sua sala havia algumas peças que lembravam dos tempos de Mutantes: um quadro deles tocando na televisão, a tabla usada na gravação de “O A e o Z”, uma caixa de bateria furada. Tocando uma segunda carreira, Dinho não tocava mais bateria nem por hobby.

Foi
por isso que me espantei quando, no início de 2006, me disseram que ele andava praticando com uma bateria eletrônica no escritório, porque a banda voltaria com um show em Londres. “E está tocando muito”, me avisaram. Eu estava morando em Viena, fiz um rápido estudo dos custos de viagem e liguei para ele. “Dinho, me arruma um ingresso que eu vou ver vocês tocarem”. Ele ficou animadíssimo.

No dia anterior ao show, fui ao hotel onde a banda estava hospedada. Fui apresentado a Sérgio Dias e, depois a Arnaldo Baptista, estava curtindo muito aquilo, me sentia como em um daqueles documentários dos grandes astros que eu via na adolescência, como “Let It Be” ou “The Song Remains The Same”.

O
que me chamou a atenção é que dava para sentir a expectativa estampada no rosto de cada membro da banda que passava. A volta dos Mutantes despertou um interesse enorme, vieram jornalistas e críticos até dos Estados Unidos. Foi em Londres que eles puderam sentir o significado do passo que estavam dando, e cada um foi buscar sua maneira de digerir aquilo.

Dinho optou por bater uma conversa comigo no jantar. Entre algumas garrafas de vinho, deixou claro que estava um pouco nervoso com a proximidade do grande momento. Percebi que, para ele, eu era o único ponto de referência ali ligado à suasegunda carreira profissional”. Não me sentia muito qualificado para opinar, mas fiz o meu melhor. Falei para ele que a ansiedade era natural e todos da banda sentiam o mesmo. E soltei algumas pérolas do tipo “é imaginar que vocês estão num daqueles ensaios na Cantareira que vocês faziam no início dos anos 70”. Deu resultado, acho, porque ele deu um respiro aliviado na saída do restaurante. “Pô, bicho, valeu, tô me sentindo bem mais tranqüilo depois da nossa conversa”. “Foi o vinho”, respondi rindo, enquanto ia para a outra direção pegar o metrô para o meu hotel.

No dia seguinte, no Barbican Hall, a expectativa deles passou para o público. Poucas vezes vi tanta animação na aglomeração que antecede um show. As luzes se apagaram, a banda entrou no palco ao som de uma gravação com a abertura triunfal de “Dom Quixote”. Segui-se a hora e meia mais alucinante que se poderia imaginar. Talvez pela própria ansiedade, eles praticamente emendaram uma música em cima da outra, sem muita pausa para a platéia respirar. Era um sucesso atrás do outro, executado por uma banda afiadíssima. Sim, Rita Lee não estava , mas a convidada Zélia Duncan cumpriu bem o seu papel, sem querer imitar ou substituir, mas apenas agregando sons ao resultado final. Arnaldo Baptista carregava as marcas do tempo, às vezes errava o tempo, mas sua presença trouxe uma carga emocional indispensável para a noite. E o Dinho, que não tocava bateria a décadas, estava com aquele peso que ele consegue dar para uma batida de rock n’ roll (mais pesado que ele, o John Bonham). O amigo era o mesmo de sempre mas, depois de uma década, era a primeira vez que eu via o ídolo que tinha conhecido de ouvido.

Valeu a
espera, foi uma noite mágica. Os Mutantes estavam de volta!

10 comentários:

Thom disse...

Lembro-me de uma festa de lançamento do anuario do RL (acho que voce já tinha viajado) que teve show deles, fiquei curtindo lá com o Panda e a Alê.
Nossa, eu chorava que nem criança. Fui criado ao som deles, jamais imaginei vê-los ao vivo, ainda mais tão perto! Alê e eu ficamos na beira do palco, cantando tudo.

Inesquecível!

Ron Groo disse...

Dinho Leme é meu referencial no Brasil em termos de baqueta, e sim... Mais pesado que ele só Bonzo Bohan.

Como eu queria ter visto ao menos o show que fizeram em uma das viradas culturais ai, que não me lembro. Só pra poder gritar a plenos pulmões : "Mambo, mambo!"

Barata disse...

Cara, se com toda essa história esse show foi só o de número oito na tua lista, mal posso esperar pra saber quais serão os próximos.

Barata disse...

Aproveitando, como você gosta muito de Led Zeppelin: já viu essa antiga reportagem sobre o Jimmy Page em Lençois-BA?
http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2010/01/22/jimmy-page-em-lencois-na-bahia-via-jornal-nacional.htm

José Mário Dias disse...

Será que vou conseguir comentar depois de ler isso? Bom, comigo foi uma história semelhante, porém mais resumida. Eu SEMPRE gostei muito de Mutantes, porém, nunca tinha ligado o Dinho Leme, a banda. Foi então que em uma Truck em Londrina, em 2006 eu soube que ele era o ex-mutante, meu coração quase saltou pela boca... resumindo, fiquei mais fã ainda, pude ir a 4 shows, já fotografei 2 e já jantei muitas vezes com o Dinho e a maioria das vezes, o papo era Mutantes. Dinho Leme, um grande amigo, um ídolo, um gênio.

Joubert Amaral disse...

Muito legal!!!

Klauss disse...

Essa é a história mais legal dos teus shows até agora, Ico!

Parabéns! Vc é um cara de sorte! :-D

Unknown disse...

Ico, meu caro, você é um sujeito de sorte. Legal que você compartilha essas histórias com a gente.

Caminhante Noturno é uma das minhas preferidas deles. Agora, é interessante a postura de reverência da Zelia Duncan, e a de seriedade de todo mundo.

É uma formação menos brincalhona (a idade faz isso com a gente, né?), mas gostei dessa formação dos Mutantes, e a versão ao vivo ficou muito boa mesmo!

O disco novo ficou legal? Não ouvi/comprei ainda...

abraços a todos!

PS - um off topic: estava na argentina, e os jornais davam como certa a contratação do "Pechito" Lopez pela USF1 desde sábado.

(Não tive tempo de acessar a rede ontem, e por isso não perguntei a vcs se tinham alguma notícia disso.)

Mas achei interessante é que na própria notícia vinha um quadro com a relação dos principais responsáveis pela grana que o cara levantou pra ficar com a vaga (quais empresas e inclusive quais setores do governo), e os valores de cada aporte.

Achei legal essa info, e me deu curiosidade de saber a lista de quem banca/patrocina os brasileiros...

Ico (Luis Fernando Ramos) disse...

Thom, perdi esse show (tinha mesmo viajado), legal q vc estava lá e curtiu!

Thiago, vi essa matéria sim - e mais, uma amiga minha estava no tal bar quando Page chegou e deu uma canja. Inveja total!

Grande Zé Mário, imagino que barato deve ter sido para vc ficar tirando fotos do show. E o Dinho é mesmo um grande cara!

Abs!

Beatle Ed disse...

Ico eu estava no barbican nesse dia e foi incrível mesmo. Mt bacana esse texto seu! Só conhecia os irmãos Batista e o Liminha mas falei com o dinho e ele foi muito bacana.
Embora eu tenha algumas criticas a respeito dessa volta dos mutantes ao mesmo tempo acho super bacana poder ver esses caras tocando ao vivo. Essa geração é realmente especial.