sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O SILÊNCIO DE MASSA

“Foi um dia difícil”. Assim Felipe Massa resumiu a sua sexta-feira em Monza, um dia de muitos testes com o pacote aerodinâmico especial do carro para esta prova, uma escapada de pista salva de maneira espetacular na saída da Parabólica e um terceiro lugar potencialmente promissor para as chances da Ferrari no final de semana.

O que não sabemos é se todos os outros dias dele na equipe, atualmente, têm sido difíceis também. Que a Ferrari identifique em Fernando Alonso o piloto com o qual ela deve atacar o título num campeonato equilibrado é claro e mesmo lógico pelo conjunto da obra de ambos ao longo desta temporada. Mas que ela use de subterfúgios como a questão do giro dos motores na Alemanha para prejudicar um esportista que é seu funcionário afim do conseguir que o outro se colocasse numa posição que justificasse, interna e externamente, a ordem de equipe, é feio demais.

Sobre este assunto – para quem ainda não se situou, o relatório da FIA revelou que a Ferrari ordenou no meio da prova em Hockenheim que seus pilotos poupassem os motores, para instantes depois liberar Alonso para usar mais potência – a Ferrari busca minimizar sua importância. Falei ontem com o assessor da equipe Luca Colajanni assim que o relatório da FIA foi publicado. A explicação: “a diferença no regime dos motores era muito pequena, insignificante para interferir na performance de cada carro. Não houve nenhum tipo de interferência”, garantiu.

Não podia esperar um discurso diferente, mas o papel de um jornalista é sempre considerar o benefício da dúvida. Por isso, fiz hoje uma consulta técnica com Ricardo Penteado, brasileiro que é o engenheiro de motores da Renault de Robert Kubica. Que tipo de diferença um regime distinto no motor entre pilotos de uma mesma equipe pode causar? “Depende de uma série de fatores como o clima e as características da pista. Em Hockenheim, tende mesmo a ser pequena. Se a diferença na regulagem entre ambos for mínima, é de menos de um décimo de segundo por volta. Se for muito grande, pode ultrapassar os três décimos”, explicou.

Ou seja, o argumento da Ferrari pode até ser real, mas todo o contexto daquela corrida sugere que não foi o caso dessa diferença ser irrelevante.

É de se imaginar que Massa fez um escarcéu lá dentro, que tenha colocado o dedo em riste de alguns rostos como fez diante das câmeras com o mesmo Alonso no famoso episódio de 2007 do “prova imparare” (com o bônus de mandar Ron Dennis beber no ânus).

Mas nunca saberemos. Porque a Ferrari coloca uma mordaça nos seus pilotos que bloqueia completamente o vazamento de qualquer assunto interno. Quando perguntado hoje sobre sua opinião desse gerenciamento dos motores que fez Alonso ficar, artificialmente, “faster than you”, Massa deu a mesma resposta, palavra por palavra, em português e em italiano, sinal inequívoco de que a maneira de responder ao tema foi determinada por uma conversa prévia com o time. “Não vou comentar nada sobre isso. Estou pensando nesta corrida e nas que restam para acabar o campeonato. Meu pensamento é o de vencer o maior número delas”.

Mas era preciso insistir. O colega Felipe Motta disse que o torcedor poderia ficar com a impressão dele estar sendo omisso e se Massa não respondia porque simplesmente não podia responder (o que, obviamente, é o caso). Veio uma resposta confusa: “De jeito nenhum, eu sou um piloto que passou a vida inteira na batalha para superar obstáculos. Sei o que faço e tudo o que eu faço é pensando no melhor para a minha carreira. Eu sei o meu caminho”.

Se eu fosse ele, para dar uma satisfação aos torcedores sem se indispor com o time, diria algo como: “de todas as ações que cercam aquela corrida, conversei com o time sobre o que eu concordo e o que eu discordo. Mas é claro que isso é feito de forma privada e não convém e nem interessa tornar público”. Assim, pelo menos, ele deixava claro que existe um nível de insatisfação e que alguma ação está sendo feita – o que é difícil de concluir pelos poucos elementos que escapam ao filtro ferrarista (e, não sejamos injustos, a prática na maioria dos outros times também. Nesse ponto, discursos corporativistas e bloqueio ao direito de se dizer o que se pensa, a F-1 é um saco). Além do mais, seria uma resposta que corresponde ao que, imagino eu, realmente aconteceu: um episódio que abalou uma organização e que trouxe a necessidade de dialogar para manter saudável o ambiente de trabalho.

Do pouco que falou, Massa acertou ao mencionar os obstáculos que superou. É afinal um piloto que chegou à F-1 sem grana abundante para gastar na base; que renasceu para a categoria após um ano de estréia ruim, o que é raríssimo de acontecer; que está andando de forma competitiva para calar aqueles que falavam em morte ou em cegueira após o horrível acidente do ano passado.

Resta saber a questão do caminho. Saber se esta via passa por uma Ferrari em que Alonso e sua entourage conquistaram rapidamente o comando das ações e que estão minando aos poucos os focos de resistência internos que encontram nesta cruzada hispânica rumo ao sucesso – um baita de um obstáculo. Ou saber se os episódios de 2010 o fizeram estudar mapas que poderiam levá-lo a uma outra estrada na qual tentaria escrever mais um capítulo nessa sua história recheada de episódios de superação.

Mas tudo o que ouvimos é o silêncio.

(Foto Luis Fernando Ramos)

8 comentários:

Érico disse...

Está na hora dele errar uma freiada na largada por um metro e enfiar o carro no Alonso para acabar logo com as chances dele este ano. Shit happens.

Falando sério, ele não tem saída. Não há vagas disponíveis em outras equipes de ponta por enquanto, ou ele engole sapo na Ferrari, ou... A única esperança é ter um melhor começo de temporada em 2011 enquanto digere bem as consequências de Hockenheim.

Renato Campestrini disse...

Ico,

Boa a análise que fez da situação.

De fato, para aqueles que gostam do esporte, é um saco essa mordaça que se impõe aos pilotos, assim como é um saco esse diz que não diz para depois acontecer o que todos já sabiam.

Abraço,


Renato

ba disse...

Foto muito legal, parabéns!

Dé disse...

Muito bom seu texto Ico.

A arrogância e o desprezo com que as equipes de F1 tratam seu público é realmente impressionante.

Não acho que Massa seja um injustiçado, impedido de dizer o que pensa sob pena de perder o emprego.

Ele compactua com tudo e está se lixando para o que a imprensa e a opinião pública pensam de todo esse episódio.

Acho pouco provável que na cabeça de Felipe Massa passe a vaga idéia de que ele precisaria "dar uma satisfação aos torcedores".

Torcedores não pagam seu salário, o compromisso dele não é o público.

Precisamos deixar de ser ingênuos.

Não há humanidade na F1.

Bernardo Cavalcanti disse...

Ico,
Minha sincera opiniao é que o Massa está é sendo bastante esperto e tomou a melhor decisão. Vejo que muitos passionais não conseguem analisar a questão friamente. Como torçi sempre por outro piloto, vejo a saída do Felipe como a mais sensata.

Concordo com o Érico no que se refere a nao ter outra equipe de ponta disponível. Ele tem seu publico lá dentro e sabe que a equipe quer vir forte pra 2011, já que as chances dela nesse campeonato são, sinceramente, bem difíceis se houver qualquer vacilo em Monza (para o Alonso).

Ele aceitou essa posição de escudeiro porque desde todas as corridas do ano, vem apanhando bem mais do que batendo, e o melhor a fazer é se preparar para a largada de 2011 e tentar combater Alonso conhecendo um pouco mais de seus truques, algo que ele fez com o Haikkonen, certo?

Pra agarrar essa chance ano que vem, ele maximiza suas chances conquistando ainda mais a simpatia da equipe para lubrificar suas engrenagens na próxima temporada, porque essa parece mesmo ser da Red Bull (se eles se tocarem logo que é melhor definir um 1 piloto do que insistir na esperança do Vettel brigar pelo título).

Que venha Monza para responder as nossas perguntas!

Daniel Médici disse...

... "e o resto é silêncio". Eu iria comentar o conteúdo do post, mas, dado um final tão hamletiano para o texto, prefiro guardar para mim minhas opiniões, pelo menos até a corrida de amanhã - e, talvez, traçar alguns paralelos entre ela e o teatro elizabetano.

Ron Groo disse...

Seriam os últimos dias de Pompéia? Estaria Felipe Massa pensando em ir pilotar em outra freguesia?
Mudar a situação acho difícil, afinal Alonso é incensado da vez pela equipe e tem atrás de si - além de talento - dois navios de dinheiro do banco que patrocina a equipe italiana.

Em minha modesta opinião o mundo rosso não é mais propicio a vida massista. A não ser, claro que aceite - com todas as letras e toda a resignação - que é apenas o segundo piloto e como tal não deve importunar a prima dona.

Wagner Almeida disse...

Gostei da idéia do Érico, bem que o Massa podia jogar o babaca do Alonso pra fora da pista e acabar com as esperanças dele... Iria ser um show... Amanhã eu vou secá-lo do inicio ao fim pra que aconteça uma quebra de motor, ou uma porca fique agarrada na hora do pit... E eu também acho que o Massa devia começar a procurar outra equipe pra 2012, porque correr ao lado desse mané chorão não dá.