segunda-feira, 27 de setembro de 2010

PARA ORIENTE

O prédio com formato de um transatlântico se destaca na já impressionante paisagem da região mais central de Cingapura. Hoje eu estive lá e a obra, embora ainda não completa, já capta o interesse da maioria dos turistas da cidade. Pena que a chuva forte fechou o terraço e eu não pude subir para conferir a espécia de piscina gigante com vista para o mundo que construíram por lá.

Em torno dele, um enorme areal forma um canteiro de obras gigantesco, que vai receber um novo cassino, uma penca de hotéis, museus e escritórios. A economia de Cingapura floresce como poucas no planeta e, se falta espaço no minúsculo país, sobra dinheiro para aterrar o oceano e expandir seus domínios. O transatlântico de concreto, aliás, está plantado justamente onde foi água um dia.

Não é à toa que Bernie Ecclestone se derreteu para dirigentes e imprensa locais, sinalizando a possibilidade de antecipar a renovação do contrato do GP local, que termina em 2012 - e fazê-lo até 2032!

O baixinho, sabemos, não é bobo no faro para saber onde está o dinheiro. E corteja Cingapura ao mesmo tempo em que faz ameaças ao GP do Brasil, exigindo reformas em Interlagos - ou qualquer outra desculpa - para colocar no inconsciente da categoria que a prova é uma no topo da lista das ameaçadas, para trocá-la sem pudor pela próxima nação asiática endinheirada que quiser pagar por seu produto.

Antes de maldizer a conhecida ganância do diminuto dirigente, devemos olhar para o nosso umbigo. Se Cingapura investe hoje em paisagens suntuosas, é porque já fez sua lição de casa e cuidou há tempos de sua infra-estrutura. O aeroporto de Changi é o mais moderno do planeta, a população local recebe educação gratuita de qualidade e tem uma noção incrível do que é civismo e da importância do bem estar coletivo.

(Um parênteses para explicar melhor como funciona o povo daqui: no sábado, esqueci o monopé da minha câmera em um táxi quando fui para o circuito. Tinha o recibo da viagem e liguei para a central. A mocinha anotou todas as informações que eu tinha e prometeu retornar a ligação. O fez no meio da corrida, enquanto eu participava da transmissão da prova, só para ouvir um “estou trabalhando” meio ríspido e ter o telefone batido na cara.

Agora há pouco, a mocinha voltou a ligar educada informando que acharam o tal do monopé. Agradeci, mas disse que já estava no aeroporto e embarcaria em breve. Sem se dar por satisfeita, a atendente pediu a hora de embarque, perguntou onde eu estava - num restaurante ainda antes da imigração - e pediu que eu esperasse 15 minutos. O motorista acabou de passar por aqui para me entregar, disse que veio “feito um piloto de F-1” e se recusou terminantemente a aceitar uma gorjeta que fosse pelo esforço - e eu insisti prá caramba. “Nós é que nos desculpamos pela demora em devolver o seu pertence”. Fim do parênteses)

Enquanto isso, estamos há três anos de receber uma Copa do Mundo e o evento virou um grande oba-oba para agradar os desejos dos poderosos e de seus amiguinhos. Leio sobre projetos de estádios desnecessários e superfaturados, mas nada sobre melhorias em aeroportos, estradas, transportes públicos nas grandes cidades.

Perder a F-1 é o de menos. O que precisamos perder é justamente essa mentalidade de que aqui tudo pode - e não perder nossa capacidade de nos indignarmos com tudo o que é feito de errado pelo poder público (e a crítica aqui é a mesma aos dois principais partidos do país, não há merecedor do meu voto entre eles). Depois, não vamos nos espantar se a economia mundial continuar olhando enternecida para o oriente - e de costas para nós.

18 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito, Ico. Se me permite adicionar, estive no GP do Brasil e de Valência no mesmo ano. Uma mulher, sozinha. A diferença de tratamento é tão gritante que nem consigo descrever, a ponto de não saber se quero repetir a experiência. Ficaria muito triste se o GP do Brasil saísse daqui, afinal, Interlagos é uma pista incrível, mas não posso deixar de concordar com Bernie.
Julianne

Fernando Kesnault disse...

Gosto de Cingapura e ela merece estar na f-1. Seu povo é educado, tudo é limpo, ordeiro e organizado então reclamar do quê?? Pobre deste país (Brasil) ou melhor, de nós que aqui vivemos. Nem uma raia de uma piscina que está indicada como somente para a prática de natação as pessoas respeitam e qdo. vc. pede educadamente para se retirar pois vc. tá treinando, fazem cara ruim, gritam e até lhe xingam....êta povinho má educado...

Gabriel Souza disse...

Se fosse no Brasil você sabe o que teria acontecido com o seu monopé...

A educação é a base de tudo!

Abraço!

roger disse...

Cara você é foda! Ótimo ler!
-Aquilo lá é um paraíso que 95% da nossa população não conseguiria viver!
Corrupção lá é coisa séria! A linha é dura! Os lideres sabem o povo que tem e não tem moleza!
BOA, Puta país!
Recomendo visita !

Kohara disse...

É... Belo texto.

O Baixinho sabe como poucos farejar uma boa oportunidade de amealhar mais alguns turus... Fato. O problema é que a pista e o show... Enfim. Vida que segue. Isso não dá dinheiro.

Não lembrava dessa obra nas transmissões anteriores do GP. Então é isso. É um prédio novo. Mas, vista a noite, mesmo ainda não terminada, é impressionante.

Sobre a mudança de comportamento... É aquela coisa. Cada vez mais se consolida a ideia de que aqui tudo pode -graças aos exemplos superiores-, e as pessoas cada vez mais tem certeza que vale tudo mesmo...

Enfim... O que acho curioso é que a ideia que o pessoal tem de Cingapura aqui em SP... são os conjuntos habitacionais paredes de favelas plantados por aqui -inclusive do lado de Interlagos. Todos idealizados por um político e pelo homem de marketing político mais eficiente do país, que ajudam a consolidar a ideia do vale-tudo e do jeitinho... Não deixa de ser ironico, pra se dizer o mínimo. Não se aprende a mais importantes das lições...

Enfim, vida que segue.

Grande abraço!

Anônimo disse...

E ainda tem gente que acha que lá é país de faz-de-conta !

O gente iludida !

Acordem, faz-de-conta é o braZil !

Grande post Ico, sensato e na medida.

abs

Filipe

Alan Barros Nogueira disse...

Pois é Ico, uma vez uma amiga minha elogiou a sociedade canadense para ouvir de outros: "ah, mas lá é frio". Cingapura é quente, quero ver o argumento contrário. Nosso povo não aceita criticas, e sempre costuma contemporizar os problemas estruturais, sociais e comportamentais com uma alegada beleza paradisíaca, como se pudessemos ser cretinos, desonestos e etc, somente por termos belas paisagens.

Anônimo disse...

Ico concordo contigo, vivo aqui no Mexico e todo mundo quer ir ao Mundial de 2014 no Brasil, acho que eu sou o unico que nao,
Nao acreditdo que teremos infraestrutura , nao acredito na civilidade brasileira, nao acredito no governo Brasileiro e seus governantes, acho que tudo sera uma mamada na teta sem fim.
Ico, o ano passado, se nao me engano vc fez uma materia com os engenheiros de pista dos brasileiros que achei muito legal.
Sera que vc nao conseguiria repetir esse ano ?
Tenho muita curiosidade em escutar os engenheiros do Massa, do Alonso, o Jock Clear ( sobre o Rosberg) o Dyer ( schumacher) e o do Barrichello que dever o antigo do Rosberg.
Nada de dizer quem eh o melhor ou pior mais caracterisicas, pontos positivos enfim, acho que o do Alonso deve ser bem legal saber e entender como ele trabalha na Ferrari assim como o do schumacher que trabalhou o ano passado com o Button.
Obrigado e um abraco,

Fernando

Ron Groo disse...

Comparo a corrida de Singapura (relativo a Singapura é o que? Singaporense?, tirando a tradição, claro, com as carreras contemporâneas do Principado de Mônaco. O lugar é belissímo e alguns pilotos ontem mostraram que se quiserem mesmo, de verdade, dá pra fazer boas corridas: Kubica e Webber correram muito.

Anônimo disse...

Saudações, Ico!

Parabéns, muito bom, muito bom.

Abraço!

Ricardo Reys disse...

Oi Ico, permita-me discordar.

Acompanho assiduamente o seu blog e o considero como o mais preciso, técnico e franco espaço online de F1. Realmente você sabe das coisas!

Concordo com todas as críticas ao país, e aos seus governantes. Acho, no entanto, que a Fórmula 1 deve ficar acima disso.

Pessoalmente, creio que a competição deve se restringir somente a ela, e não permitir que fatores extra-pista influenciem na decisão. Sim, sei que é complicado, principalmente se levarmos em conta o volume de dinheiro necessário para se administrar a categoria. Mas se a mesma se dedicasse mais ao seu campo, não somente o seu presente seria preservado, como mais importante, o seu legado. E consequentemente, com estes dois fatores harmoniosamente interligados, tudo aquilo decorrente da descaracterização da categoria seria sanado, bem como possibilitaria uma melhor administração de todos os pormenores relacionados à ela, bem como do seu lucro.

No entanto, vemos Mônacos artificiais e abominações como Bahrein e Abu Dhabi tomarem a Fórmula 1, levando a uma descaracterização desenfreada tal como se fosse um câncer. Das dezenove etapas, acho que somente umas seis tem certa relevância sentimental - e consequentemente moral - para o grande público. Das equipes, apenas três têm suas identidades solidificadas no consciente popular, enquanto que outras foram adulteradas no passar dos anos, ou mesmo, não tem o menor apreço com o passado do time que compraram. No âmago da categoria, nutre-se um desejo auto-flagelativo (talvez inconsciente) de se afastar do seu público aficcionado, seja em prol do dinheiro e do "charme" turístico de localidades exóticas, ou mesmo pela política em seu estado mais cômico e lamentável. No regulamento, a busca por uma falsa esportividade nivela categoria, pilotos e público por baixo, transformando corridas em autoramas que, daqui a pouco, até atalho será permitido...

Por isso tudo, a pergunta que fica é a seguinte; Como respeitar a Fórmula 1 se ela própria mal sabe o que um dia foi?

Abraços.

Editor disse...

A base de tudo é a educação ! O que esperar de um país que não investe em educação e que humilha os professores !!! O atual quadro eleitoral reflet bem a situação ....

Vitor, o de Recife disse...

Caro Ron Groo, o gentílico de Cingapura (ou Singapura) é (s)cingapuriano(a).

Excelente texto Ico, é por aí mesmo. Enquanto educação não sair efetivamente da pauta dos programas eleitorais, continuaremos andando para trás...

Marcelonso disse...

Ico,


Sem dúvida vc foi direto ao ponto da questão, brilhante o texto.

Agora quanto a pista de Cingapura,é muito bonita,cheia de fru-fru e tal,mas produz corridas pedantes,isso é fato.

Tirando as performances de Webber e Kubica, o resto foi totalmente apático.
Como fã da categoria,não é uma pista que me seduz.

abs

Renan do Couto disse...

Excelente texto, Ico. Fiquei impressionado com essa do monopé! Sobre Interlagos, não como brasileiro, mas como fã da F-1 não quero que saia. Só que me agrada a entrada de Cingapura, é uma corrida que vai dando certo e que apesar de ser de rua vai melhorando sua estrutura para ficar. Uma Mônaco no Ocidente e outra no Oriente fica legal, e a do Oriente parece que vai ser Cingapura. Abração!

Ingryd disse...

Preciso dizer que concordo absurdamente com a sentença: "e a crítica aqui é a mesma aos dois principais partidos do país, não há merecedor do meu voto entre eles", e que tem sido meu discurso frequente nessas épocas de campanha. Preguiça de atravessar um estado para votar em minha zona eleitoral, e ter de escolher qual o "menos pior".
Nessas horas, e como bem dito, quando precisamos da nossa inexistente infraestrutura, é que sinto uma vontade ABSURDA de voltar pra Londres, e de lá não sair nunca mais. E ó que Londres nem é TÃO organizada quanto outras européias por quais passei.

Bjos, e um tardio "boa viagem"

Rob disse...

Belissimo texto Ico, entro nesse espaço todo dia pra poder ler um texto desse.
Parabéns.

Barba disse...

Ico,

Mais uma vez perfeito, o exemplo vem de cima, e o nosso é o pior possível. Educação decente, com todos os alunos no terceiro ano sabendo a ler, entender o texto, escrever e a fazer as quatro operações (adição, subtração, multiplicação e divisão), esta é a base.

Parabéns pela sua escolha, Viena é uma cidade fantástica, que organização, mobilidade, educação, estive lá em maio2009 e é um dos lugares que merece um retorno.

Em tem a Copa e as Olimpíadas serão uma zona total, por que até hoje nada foi feito e até lá nada será feito. Por ocasião do Pan, aqui no Rio, para melhorar a mobilidade urbana pintaram as ruas para criarem as faixas exclusivas para os envolvidos nos Jogos. Estas foram as grandes obras viárias realizadas, junto com a destruição do Autódromo do Rio e a contrução de arenas que estão, hoje, subutilizadas e abandonadas.

Grande Abraço,

Barba