segunda-feira, 1 de novembro de 2010

EMOÇÃO SEM SENSACIONALISMO

O cinema em Tóquio está lotado. As imagens do trágico final de semana de Ímola vão se sucedendo e o silêncio respeitoso dos japoneses é interrompido pelos sons de suspiros longos e de choros que tentam ser contidos. Estamos no ponto alto do documentário “Senna”, que conta a trajetória do tricampeão brasileiro. Sem apelar para o sensacionalismo, o roteiro toca fundo na emoção dos espectadores só trazendo a reação genuína dos que estavam no circuito naqueles dias malucos.

Transportar-nos para os anos de Ayrton Senna na Fórmula 1 é algo que o documentário faz com alguns recursos inteligentes. A narrativa é feita quase que inteiramente pelos personagens da época, com trechos de entrevistas da época. Apenas os depoimentos de alguns jornalistas que acompanharam o período, incluindo o brasileiro Reginaldo Leme, foram gravados hoje em dia. E aparecem sem imagens do entrevistados, evitando um corte ao presente que certamente perturbaria o contar da história.

E a história de Ayrton Senna tem elementos para atrair a atenção mesmo de quem não é fanático por automobilismo. A figura do “herói” está ali, mas sem exagerar no tom, mostrando também as fraquezas e contradições de quem, por vezes, passava por cima de sua própria filosofia em nome da vitória. Os “vilões” também existem nas figuras do presidente da FISA Jean Marie-Balestre e do eterno rival Alain Prost.

Aliás, a única falha do filme na minha opinião é não encerrar o ciclo da relação entre Senna e Prost. Embora o roteiro ilustre o desconforto de Senna com o acidente que encerrou o Mundial de 1990 na primeira curva de Suzuka, ele não traz a eloquente entrevista do brasileiro no ano seguinte, quando admitiu que havia batido de propósito. E nem a famosa saudação que Senna fez a Prost numa filmagem para a tevê francesa no fatídico final de semana de Ímola, quando chama o ex-rival de “amigo”.

No mais, “Senna” se destaca pela força de imagens que nem mesmo o mais ardoroso dos fãs teve acesso. São poucas as cenas de corrida, é verdade, mas estas existem aos montes na Internet. O documentário se destaca mesmo pelas imagens de bastidores, tanto da vida privada do tricampeão como o de uma Fórmula 1 na qual um piloto carismático batia de frente contra um dirigente com traços ditatoriais. É uma feroz batalha como as boas que costumamos ver no cinema. Mas uma real e que, por isso, já vale o preço do ingresso e faz do filme um programa imperdível.

E tem a construção dramática que leva ao acidente fatal de Ayrton Senna. De novo com imagens inéditas, o filme nos transporta para o centro de um lugar em que ninguém gostaria de estar. Mostrando como o acidente de Rubens Barrichello e a morte de Roland Ratzenberger foram sinais contundentes de como a bruxa estava solta naqueles dias. Ver o paddock de um circuito, um lugar que eu conheço muito bem, acusando cada impacto como um boxeador à beira de um nocaute me deixou arrepiado.

O cinema em Tóquio vai se esvaziando ao final da sessão. Não foi difícil encontrar o outro único ocidental que estava nela. É o fotógrafo inglês Keith Sutton, com quem tive no início do ano uma animada conversada justamente sobre Senna e Ratzenberger. Ele está literalmente atônito, sem palavras, olhando no vazio em meio a um turbilhão de pensamentos. Ele estava em Ímola e reviver aqueles dias lhe causou um claro impacto. Um filme que mexe dessa forma com as pessoas é sempre bom. Ainda mais quando a história é real. Não importa se você torcia ou não para o tricampeão, a verdade é que “Senna” é um filmaço.

13 comentários:

Leone disse...

Valeu ICO,

Com certeza deve ser imperdível!!

Anderson Nascimento disse...

Eu não perco esse filme por nada! Lançando por aqui, serei o primeiro a assisti-lo.

Daniel Médici disse...

Já disse uma vez que, se tivesse milhões no banco e resolvesse bancar um filme sobre o Senna, minha primeira opção de diretor seria Werner Herzog, que, desde o início da carreira, problematizou a questão do que é humano e o que é natural - e o que é sobrehumano (você sabia que o primeiro curta dele, "Os Doze Trabalhos", que está no YouTube, tem cenas das 24H de Le Mans de 55?).

Mas os relatos que ouço sobre o produto final me deixam bastante animado. Infelizmente, vou ter que esperar até dia 12 para dar meu parecer.

Anônimo disse...

Ainda sobre Prost, não é demais lembrar que o epíteto das rusgas entre os dois foi o Prost vindo a Sao Paulo para uma homenagem final, onde era um dos que conduziam o caixão do Beco. No fundo eles se respeitavam demais. Na medida do destino se acertaram afinal.

Janaína disse...

Estou contando os dias para a estreia desse filme e ver sua recomendação só me deu a certeza de que ele está a altura da pessoa Ayrton Senna da Silva. Só não sei ainda como farei pra assistir sem incomodar os vizinhos, porque eu choro ao ver o trailler, chorei ao ler seu texto... Pelo jeito uma caixa de lenço de papel não será suficiente. Abraços, Ico!

Speeder76 disse...

Desconheço quando é que o filme chega por aqui a Portugal, mas quando sei que a chegada do filme em paragens britânicas será em Junho de 2011, temo o pior por estas bandas... ou sai tarde, ou vai directo para o mercado do DVD.

Pelo que ando a ouvir, toda a gente gosta do que vê. E pelo que contas, não deve ser sensacionalista, logo, estou a ver que os britânicos fizeram um bom trabalho. Vai ser agradável de ver, caso consiga ver por aqui.

Gustavo Delacorte disse...

Valeu, Ico!

Fiqueo com mais vontade ainda de assistir...

Thiago Wilvert disse...

Valeu pelas impressões, Ico!
Já era certo que eu assistiria ao filme, mas agora estou mais ansioso ainda!

Abraço!

Anônimo disse...

ICO,

Em que ano vc começou a cobrir a F1? Vc chegou a cobrir a F1 quando o Senna corria?

Abraços
Rodrigo

Flávia Tricolor disse...

nossa de de ler este relaro eu chorei!....vai ser difícil aguentar....

Ron Groo disse...

Não sei... vou ter de assistir mesmo, Desde que assisti Uma estrela chamada Ayrton Senna fico com um pé atrás com o tom destes documentários.
A santificação do Senna as vezes enche a paciência. Porém vou assistir com o espírito desarmado, se me emocionar, prometo que conto.

Alexandre Carvalho disse...

"Uma Estrela Chamada Ayrton Senna" é ruim demais. Já sobre esse novo documentário, até agora não vi uma crítica negativa. Deve ser bom mesmo.

Enfim, amanhã irei assisti-lo em uma sessão exclusiva para a imprensa aqui em São Paulo. Espero sair de lá com as mesmas impressões que o Ico teve lá no Japão. :-)

Sandro disse...

Eu assisti no dia 9 de outubro!
Dureza foi aguentar Galvao Bueno, hehehe! (Monaco 1984: "ultrapassa Niki Lauda com muito apetite!")
Reginaldo Leme em "off". Bem mais interessante sobre a passagem de Senna na F-1.
O documentario mostra Senna "Duas Caras": o bom, o mau, o genio, o louco, o calmo, o nervoso, etc.

Senna segurando no colo o sobrinho Bruno logo no inicio da pelicula!

Arranca rabo contra Balestre: "The best decision is my decision!"

A manobra assassina sobre Prost em Suzuka 1990 (revanche de 1989)!

Faltou a polemica entrevista de Senna apos faturar o tri em Suzuka 1991!

E Donington Park 1993 ficou de fora!

E o desfecho tragico em Imola 1994!

Assistam! Vale a pena!