Encontrei Alex Snell por acaso no ônibus que ligava a estação de trem de Seul até o aeroporto de Incheon. Não sabia que ele era ELE, o cara que estava viajando o planeta realizando o antigo sonho de acompanhar todas as etapas da Fórmula 1 de perto. Para mim, era apenas mais um dos muitos ciganos que fazem parte do circo a trabalho.
Foi em Abu Dhabi que um colega apontou que Snell era “o maior torcedor da F-1”. Conversei dez minutos excusivamente com ele e encontrei um sujeito com excelente senso de humor, extrovertido e descomplicado. Um cara bacana mesmo. Lendo a íntegra do papo abaixo, dá para entender porque.
De onde nasceu essa ideia?
Nasceu do fato que eu não viajei muito quando eu era jovem. Então juntei minhas duas grandes paixões, que são a F-1 e o desejo de viajar. Começou depois de umas bebidas com uns amigos depois da transmissão do GP do Brasil de 2005, quando eu e um colega chegamos à conclusão que o mais queríamos fazer era ir a todas as corridas de uma temporada. Infelizmente ele acabou atrapalhado por um casamento e filhos, mas eu me mantive fiel à causa. (risos) E aqui estou. Estar perto de um mundo que antes só via pela televisão tem sido incrível.
Você precisou se sacrificar muito para conseguir?
Demorou cinco anos para juntar o dinheiro necessário. Deixei de lado férias, roupas novas, essas coisas. Mas o fundamental foi voltar para a casa dos meus pais. É uma situação diferente e agradeço a paciência deles, porque tenho certeza que eles também não queriam isso! (risos) Sem eles, não teria conseguido, porque isso me ajudou a economizar uma fortuna. Com o passar de cada ano, via o total crescendo e o sonho ficava próximo. Há dois anos, vi que era possível, então me concentrei em economizar cada centavo. Parece mais fácil falando do que fazendo.
E o dinheiro que você separou foi o suficiente?
É... veja bem... (risos) Meu orçamento inicial era de mil libras por corrida, mas acabei gastando uns 25 mil. Poderia ter gastado por menos, mas era uma experiência única. Já me sacrifiquei por muitos anos, então valia a pena gastar alguns milhares de libras.
A Virgin te ajudou de alguma forma? Você está com a camisa da equipe...
Não financeiramente, mas me deu credenciais e acessos que eu nunca pensei ser possível. Na Espanha, por acaso, chegaram e me ofereceram a chance de visitar o paddock. Aí em Mônaco eu resolvi comprar uma camisa deles, porque não tinha para quem torcer e achei muito legal o que fizeram. Aí, no vazio que é o circuito da Turquia encontrei um diretor de marketing do time que me perguntou da camisa. Contei minha história e, desde então, eles me dão a chance de entrar no paddock de vez em quando. Sei que há milhões de pessoas que matariam para estar aqui. É inacreditável.
Algo te surpreendeu, vendo a F-1 de dentro?
Todo mundo no paddock foi bem mais aberto que eu imaginava. Gente como você que me ajudou com dicas sobre São Paulo, o James Allen que falou no twitter sobre o meu blog, o Will Buxton que é um grande figura. Quando se vê na tevê se imagina um mundo muito mais fechado, que ninguém gostaria de falar com um “turista”. Mas foi bem o contrário. Todos foram muito abertos e dispostos a ajudar. Não poderia querer coisa melhor. Aconselho a todo mundo a tentar encontrar uma maneira de entrar aqui, que eu prometo que não é um clube exclusivo como parece. A F-1 tem um coração de ouro.
E você não poderia ter escolhido uma temporada melhor para acompanhar, não é?
Meu Deus! (risos) Não, não dava. Mesmo agora, não tenho ideia de quem será o campeão. Antes de começar, achava que a Ferrari tinha o campeonato no bolso, chegando no Bahrein, a Red Bull dominou na classificação e fiquei tentando imaginar de onde tinha vindo aquilo. Num ponto era a McLaren que iria ganhar, agora chegamos aqui com Fernando na frente e as Red Bulls favoritas à vitória. Incrível! Não dava para imaginar uma temporada mais intrigante e emocionante.
O que você achou de Interlagos?
Não é porque você é brasileiro, mas o dia da corrida foi a melhor experiência que eu tive o ano inteiro. Juro. O entusiasmo e o clima dos torcedores era contagiante, não dava para não pular e torcer junto. E o circuito tem tanta personalidade, é exatamente o contrário daqui de Abu Dhabi. Mas ao mesmo tempo tão impressionante quanto: você tem os muros delimitando o circuito, alguns com murais em homenagem a Senna, toda a cidade cheira Fórmula 1. Quando você chega no aeroporto, qual estrada você pega? Rodovia Ayrton Senna! Tem o túmulo a meia hora da pista. Fantástico. Eu estava nas arquibancadas, uma hora e meia antes da largada, só olhando em volta, absorvendo e pensando: “estes são os momentos pelos quais eu me sacrifiquei tanto”. Estar no paddock é legal, mas no final das contas eu sou um torcedor. E como um torcedor, aquele momento foi o melhor que eu tive, sem dúvida nenhuma.
Você citou Abu Dhabi. O que achou daqui?
A escala disso é impressionante. Não imaginava que haveria tanta coisa no entorno do circuito. E o Ferrari World parece uma aranha alienígena gigante. Quando cheguei no avião e vi isso por cima, o hotel brilhando, foi de tirar o fôlego. E pensar que tudo isto existe só por causa da Fórmula 1... Acho que mostra bem o poder da categoria.
Você tem um piloto favorito?
Eu torcia para o Raikkonen, mas agora ele se tornou um especialista em bater carros de rali! (risos) Falando sério, até que eu acho isso bom: posso vir para as corridas sem me preocupar se o meu cara vai bem ou mal, posso apenas aproveitar. E, das equipes, apoio a Virgin porque fizeram tanto para mim. Não dá para imaginar uma equipe que fizesse tanto por um torcedor. Você pode torcer para um time porque vencem corridas ou tem história. Mas para um fã, pelas coisas incríveis que eles fizeram para mim, essa é a melhor razão. A maioria das equipes está se lixando se você pagou um baita dinheiro por seu ingresso. Mas não a Virgin. Não só comigo, mas eles costumam trazer outros torcedores para perto do esporte também.
Para encerrar, o quanto esta experiência te transformou?
Vi muitas culturas e países diferentes e é claro que isso te muda. Você ganha mais autoconfiança. Também me sinto mais maduro do que há oito meses, o que é algo estranho de se dizer para um espaço pequeno de tempo. Mas acho que o principal é que estou mais à vontade com quem eu sou. Se você pedisse uma entrevista comigo há oito meses, eu entraria em pânico. Mas agora, ganhei tanta confiança por viajar sozinho o tempo todo. É algo que contribui muito para cada parte da sua vida. Cheguei mais perto do que eu jamais poderia imaginar da minha paixão, que é a Fórmula 1. É uma experiência que vou carregar pelo resto da minha vida e que me transformou de uma maneira muito positiva.
(Foto Luis Fernando Ramos; para mais fotos das viagens de Alex, confira a edição impressa de hoje do Diário Lance. E, claro, o blog dele: http://www.getjealous.com/alexjsnell)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
12 comentários:
Realmente, eis ai o maior torcedor da F1. Ele realizou o sonho de 11 em dez fãs.
Parabéns pela entrevista Ico.
Põxa!Muito legal. Não só a estória em si como a entrevista do cara e o cara também!
Não, ele não é apenas um fã de F1! Ele é mais do que isso: Pela entrevista em si, vc percebe que o cara é um ser humano como qualquer um de nós, mas com a diferença, de que, nem todos tem o brilho, a luz e algo que contagia a gente, num simples relato de fã! A simplicidade e os fatos pitorescos da entrevista, só nos mostra o quanto o mundo e as pessoas que vivem nele são extraordinariass! Mais que uma reportagem sobre F1, isso foi uma aula de como se pode realizar sonhos e conviver saudavelmente com seus semelhantes! Legal demais! Valeu!
Boa matéria Ico! Abs! Maurí
Acabei de me tornar fã do maior fã de F1.
Bela sacada trazer essa história pro blog, Ico.
muito legal mesmo...
Que personagem! Muito legal saber que o mundo ainda abriga loucos desse naipe, que fazem tudo por um sonho. Enquanto existirem Alex Snéis por aí, estaremos salvos.
Muito boa a entrevista. Esse cara deve ser uma "figura".
Abs.
Eu estou planejando uma volta ao mundo. No começo do ano pensei em conciliar as viagens com a temporada da f1, mas acho q vai ser meio impossível visto que a categoria vai e volta...
Legal ver que ele gastou "só" 25 mil libras. Como ele fez com hospedagem, Ico?
meu objetivo orçamentário é 100 mil euros.
Juca, confesso q não sei como ele gastou pouco assim. Mas fica a dica para vc contactá-lo pelo blog dele. Creio q certamente ele te ajudará.
Abs!
PARABÉNS PELO BLOG!!!
Atrasadão, mas vai aí meu comentário...
Gostei muito da entrevista, o cara é bem legal.
Você poderia fazer mais entrevistas como esta e a do Whitmarsh, pois, trazem a visão humana da F-1, o fã, o admirador e, por outro lado, do cara que vive em outra esfera, do lado de dentro, onde se misturam negócios e velocidade. São dois opostos que falam mais sobre a F-1, seu espítiyo, suas entranhas, do que as notícias que pipocam durante a temporada.
Parabéns pelo ótimo trabalho, bom fim de ano e até 2011!
Mauricio H.
Postar um comentário