terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

ADEUS, PEROBA

Luiz Pereira Bueno deu seu último suspiro hoje pela manhã e foi descansar num lugar mais tranqüilo. Teve uma vida agitada e difícil, um piloto cujo talento excepcional foi moldado nas curvas e retas do traçado original de Interlagos. Não teve vida fácil nos últimos anos, mas contou com a ajuda inestimável de muitos amigos (a maior riqueza que se pode ter) e de gente que admira um dos maiores botas que já viram correr. Eu não vi, mas pelo que li, perdi um montão. Um sentimento que gerou faz tempo uma coluna no GP Total, e que eu reproduzo aqui em homenagem ao Peroba. Fique com Deus!

MEUS HERÓIS DO PASSADO (21/07/04)

Um dia, um filho meu vai folhear algumas revistas velhas que encontrará mofando no armário de casa. Vai se entreter ordenando nomes de que já ouviu falar na folha de resultados das mesmas. Em algum momento, vai parar demoradamente em uma foto de um certo alemão, se ater ao protuberante queixo que caracteriza o piloto mais bem-sucedido na história da Fórmula 1. Então, virá um suspiro e o lamento resignado: “ah, pai, como eu queria ter visto o Schumacher correr.”

Saberei exatamente o que ele estará sentindo. Até hoje, uma de minhas diversões favoritas é passar os dedos em amarelas páginas de revistas, deixar-me tragar na leitura dos feitos de grandes nomes do passado. Conheço suas feições através de fotos em preto-e-branco, sei de seus estilos de pilotagem por descrições contidas nos textos. E, em pelo menos três casos, trocaria a parca riqueza que possuo pela oportunidade de vê-los em ação, acompanhar o desenrolar de suas carreiras, suas vitórias mais incríveis e suas derrotas mais humilhantes.

Quem encabeça este trio do desejo é o argentino Juan Manuel Fangio. “El Chueco”, o homem que quase nunca perdia. Se me dessem uma máquina do tempo, eu a direcionaria para a manhã do dia 1º de dezembro de 1957. Chegando ao passado, tomaria o longo caminho ao distante Autódromo de Interlagos para assistir à corrida de carros-esporte cuja maior atração era o recém-coroado pentacampeão mundial de Fórmula 1.

Aboletado no barranco em frente de alguma curva do miolo do traçado, me deliciaria ao ver Fangio executar os mesmos movimentos a cada volta com precisão milimétrica, virando o volante no segundo exato, sendo brutalmente veloz com a delicadeza dos sábios no comando de sua Maserati 300S. Ao final da exibição, pouco me importaria com os infortúnios de meu ídolo Chico Landi. Teria consciência que, naquele instante, uma fração fundamental da história das corridas passara bem debaixo do meu nariz.

(Abro aqui um parêntese: na escala do meu gosto automobilístico, não há nada acima de Landi. Mas pretender tê-lo visto em ação é tão sem sentido quanto querer ter observado Deus trabalhando nos sete dias de criação do Universo.)

Os outros dois pilotos que povoam meu imaginário não são apenas contemporâneos, mas foram companheiros de equipes e, neste meu imaginário, fizeram um duelo ainda mais interessante que o de Alain Prost e Ayrton Senna nos anos de McLaren, sem jamais apelarem para joguinhos psicológicos bestas, pois suas extraordinárias personalidades estavam muito acima disto.

Estou falando de Bird Clemente e Luiz Pereira Bueno, parceiros no comando dos Interlagos (o carro) da equipe Willys. O primeiro encarnava a figura de melhor aluno da classe, com óculos de aro grosso e o cabelo repleto de gel penteado para o lado, na vã tentativa de esconder uma calvície precoce. Sua personalidade também era amena: Bird tinha sempre um ar compenetrado, sorria pouco e jamais perdia cabeça quando o carro quebrava. Ao volante, porém, se transformava: o “Passarinho” praticamente aboliu as curvas de Interlagos (o circuito), fazendo-as com o pé cravado no acelerador em alucinantes derrapagens controladas. Muito antes de Ronnie Peterson.

Luizinho, por sua vez, tinha um estilo de pilotagem mais próximo do de Fangio: a economia na plasticidade da condução era revertida em eficiência de resultados. Vitórias nos 500 Quilômetros de Interlagos e nas Mil Milhas Brasileiras mostram que o piloto era um especialista na difícil arte de conservar o equipamento e ser rápido ao mesmo tempo. Se tivesse um pouquinho mais de apoio financeiro quando foi correr na Inglaterra, Bueno poderia ter escrito uma história de sucesso parecida com a de Emerson Fittipaldi. Suas duas discretas participações na Fórmula 1, com equipamentos pra lá de ultrapassados, não fazem jus à grandeza de sua bem-sucedida carreira.

Os dois correram algumas vezes em parceria, mas na maioria das corridas se enfrentaram utilizando o mesmo modelo. Se eu pudesse voltar no tempo, jamais perderia um domingo de ação em Interlagos, de olho nos dois Willys pintados de verde-e-amarelo, para conferir quem se sobressairia naquele dia: o estilo selvagem de Bird ou a condução suave de Luizinho.

Ah, como eu queria tê-los visto correndo!

7 comentários:

Anônimo disse...

Não só o vi como tambem gravei, ouçam a música.
http://www.youtube.com/watch?v=T3y5ZFgidBU

Fabio.

Ernesto disse...

Ico, tenho exatamente o mesmo sentimento: como gostaria de tê-los visto correr! Isso, aliado ao fato de os nossos (poucos) ídolos estarem desaparecendo, me dão uma tristeza profunda. E eu que queria participar de uma mostra de autos antigos que vai ocorrer agora em fevereiro, só para comprar o livro do Peroba e, se fosse possível, pedir seu autógrafo. Não deu, Deus o chamou antes para fazer dupla, de novo, com o Moco na condução do Bino Mark II...
Em tempo: "(...)na escala do meu gosto automobilístico, não há nada acima de Landi. Mas pretender tê-lo visto em ação é tão sem sentido quanto querer ter observado Deus trabalhando nos sete dias de criação do Universo."
CARAMBA! Finalmente alguém do meio deu o devido valor a esse homem. Essa mexeu comigo.

Ron Groo disse...

Conhecia pouco dele, mas gostava do que sabia e descobria... Fiquei muito triste.

Anônimo disse...

Irmãozinho, no tempo do Bird Clemente não havia gel de cabelo não. Era brilhantina o nome.

Fabio

dé Palmeira disse...

Belo texto Ico!
abs

Kico Stone disse...

Obrigado ICO!

Ituano Voador disse...

Belo texto, Ico. E quanto à corrida de Interlagos, para a qual você gostaria de voltar no tempo para assistir, fique sabendo que teve um Ico Ferreira que a disputou com uma Ferrari (abandonando a prova). Quem sabe já não era você correndo ao invés de assistir? rsrs
Abs