sexta-feira, 14 de setembro de 2007

CHANCE DESPERDIÇADA

Na verdade, o documento distribuído hoje pela FIA com as informações deliberadas ontem mais me fizeram chorar do que rir. Quer dizer então que a McLaren recebia de antemão as voltas em que os pilotos rivais parariam desde as corridas do início do ano. Quer dizer então que entre 11 de março, uma semana antes da abertura da temporada, e dia 3 de julho, quando o escândalo estourou, Nigel Stepney e Mike Coughlan trocaram 288 mensagens instantâneas e 35 telefonemas. Seria possível que informações como a distribuição de pesos dos “Red Cars”, ainda que não pudessem ser aplicadas um para um no MP4-22, não acelerassem o entendimento do melhor funcionamento dos pneus Bridgestone?

Diante disso tudo, fica difícil entender o argumento de boa parte da mídia inglesa, e de outras pretensas mídias, de que o julgamento não provou nada, que a punição para a pobre McLaren foi severa demais e que só serviu para dar um título “de presente” para a Ferrari. Fica mais difícil ainda entender o motivo da perda de pontos não ter atingido os pilotos também. Sim, eu sei: preservaram o campeonato, a credibilidade da categoria, os pilotos não tiveram influência em nada (será mesmo? Vocês leram o conteúdo dos e-mails?), etc, etc. Mas, no fundo, a FIA perdeu uma ótima chance de colocar um pouco de honestidade na Fórmula 1.

É algo que ela vem fazendo há muitos anos, aliás. Quantas vezes, uma equipe não foi pega com a boca na botija, burlando o regulamento e isto sendo constatado na inspeção técnica? São milhões de exemplos, mas vou citar só alguns de cabeça: McLaren no GP da Espanha de 1976; McLaren (GP de San Marino) e Benetton (GP da Alemanha) em 1994; Benetton e Williams no GP do Brasil de 1995 (na verdade, a gasolina da Elf); Ferrari no GP da Malásia de 1999; McLaren no GP da Áustria de 2000. Isto só para citar algumas infrações técnicas comprovadas pelos fiscais de prova. Sem falar em suspeitas, muito menos em inúmeras decisões polêmicas tomadas pela entidade, tanto no aspecto técnico como no esportivo.

Em todos os casos citados acima, a infração observada pelos comissários foi posteriormente discutida a portas fechadas e, sem exceção, relevadas: as equipes foram absolvidas ou multadas, mas mantiveram os resultados conquistados. Ora essa, não sei se sou muito purista aqui, mas seria tudo mais fácil se um carro pego fora do regulamento em uma inspeção fosse sumariamente desclassificado – mesmo que não se prove se houve dolo na infração. “Sinto muito, caro dono de equipe, mas a palavra final é sempre da fita métrica, ou da balança. A incompetência, proposital ou não, foi dos seus empregados. Não há nada que possamos fazer”. Infelizmente, não é bem assim.

Se estes episódios sempre prejudicaram um pouco a credibilidade da Fórmula 1, este caso de 2007 extrapolou. Não, não se trata aqui de um carro fora do regulamento – provavelmente, o MP4-22 não é. Mas é preciso lembrar que as características de um F-1 atual (não dá para ultrapassar nem nas avenidas largas de Brasília) junto com o regulamento esportivo da categoria (o trecho decisivo da classificação é disputado já tendo em vista a primeira parada nos boxes da corrida) transformam as estratégias de uma equipe no grande cerne da disputa. Imagine só o tamanho da vantagem que é saber de antemão as manobras do seu adversário! Ainda mais numa disputa tão acirrada como esta.

Sinceramente, fosse a McLaren, a Ferrari, a Lotus, a Copersucar, fosse qualquer equipe: a punição deveria ter sido exemplar neste caso. Sim, iria danificar a imagem da categoria, mas quem viveu os turbulentos dias de maio de 1994 se lembra que a imagem da Fórmula 1 na época era um amontoado de cacos, e ela conseguiu se reerguer muito bem.

Perdeu-se uma ótima chance de repetir este mesmo processo agora. Perdeu o esporte (não a Fórmula 1, porque ela jamais perde enquanto os bolsos dos tubarões lá dentro estão enchendo). O circo continua e os palhaços nas arquibancadas aceitam passivamente que toda esta lama aconteça em nome do show (Show? Este amontoado de corridas modorrentas?). Fariam melhor se exigissem que seus direitos de consumidor fossem respeitados e estendessem faixas de protestos nos autódromos. “Bernie/Max, não é esta a Fórmula 1 que nós queremos”. Taí uma boa sugestão.

Diante disso tudo, impossível não lembrar de uma excelente frase do senhor Ecclestone. Há uns cinco anos atrás, ele estava em Mônaco durante uma corrida de carros de F-1 históricos (o evento é sempre disputado uma semana antes do GP de F-1, aproveitando que a estrutura já está montada). A certa altura, ele chegou ao lado de Stirling Moss e disparou: “That’s wonderful, isn’t it? Just like it was before I’ve fucked it all up”.

Falou tudo, Mr E!

(Sim, teve treinos hoje, a McLaren foi melhor, a Ferrari está perto, a Toyota surpreendeu. Mas não há ânimo para comentar mais do que isto, vocês hão de entender.)

15 comentários:

Anônimo disse...

Ico,

Os seus comentários são sempre muito prudentes e isentos, parabéns.

Impressionante é a forma com que as pessoas justificam a não real punição da Mclaren, com desculpas de que a Ferrari não é uma equipe ética, que isso sempre foi feita, desculpas e mais desculpas e assim vamos vivendo em um País em que os seus cidadãos tem atitudes cada vez mais condescendentes e a lei é cada vez mais relegada e o absurdo se torno o cotídiano.

Um abraço.

Anônimo disse...

Li as 14 páginas da tal dicisão da FIA e acredito que nenhuma outra decisão além da banimento da McLaren seria justa. Ficou claríssimo que a equipe inglesa se beneficiou - e muito - dos tais documentos da Ferrari e, consequentemente, os pilotos também. E Hamilton, que não contribuiu em nada com a elucidação do caso, recebeu os benefícios da "delação premiada" de Alonso e De la Rosa.
E hoje o sr. Ron Dennis arrota arrogância na Bélgica ao dar de ombros quando perguntado sobre a multa recebida.

Anônimo disse...

Penso como vc neste caso. Acho q agora sim a F1 perdeu toda credibilidade como esporte.
Deveriam pelo menos punir os pilotos com suspensão em 2 GPs, ficaria menos feio!
Pior ainda é ver muitos jornalistas (q se acham especialistas em F1) dizerem q ficou justo esta palhaçada toda.

Anônimo disse...

Também li todas as páginas do relatório da FIA e, depois de ler as evidências finalmente expostas fora do âmbito do boato, concordo que a McLaren deveria estar fora do Mundial, assim como os pilotos deveriam "ganhar" uma temporada de férias forçadas. Foi uma conduta desonesta que merece punição pela regra escrita.

Mas acho, tristemente, que a FIA foi coerente consigo mesma, não com a letra do regulamento, mas com a sua relação com as equipes que mandam no circo. Digamos que a situação fosse invertida e a Ferrari estivesse aproveitando dados da McLaren. Alguém acha que a Ferrari, equipe-símbolo do campeonato e coisa e tal, seria expulsa por duas temporadas, meia temporada, uma corrida sequer? É triste, não é justo, mas é a tal de "agregação de valor" destes tempos que afinal distorce o valor real das coisas.

Quanto a protestar nos autódromos, Ico, eu vejo um problema: tem que pagar o ingresso para ir lá protestar, e enquanto se pagar esse ingresso, pode-se protestar à vontade, sua parte já está paga mesmo. Se o autódromo esvaziar, OK, tudo bem, arranja-se uma corrida em algum país onde não se tenha muita idéia do que é F1, lá eles pagam, a TV mostra, os índices de audiência permanecem etc. Talvez o único jeito de mexer com os tubarões da F1 seria boicotar em massa os patrocinadores do circo, mas acho que a energia para isso poderia ser melhor usada em questões mais importantes do mundo atual.

Anônimo disse...

Ico,
Acho que não preciso escrtever o que penso porque acho que toda a Blogosfera já sabe: A Fórmula 1 MORREU, prefiro atualmente falar de minha maior predileçãi desde que me senti atraído por um carro de competição - ENDURANCE, que o Bernie quase matou, mas ela está voltando. Prefiro também de falar e pesquisar principalmente um dos motes de seu Blog: O passado das corridas.

Anônimo disse...

Perfeito Ico!

Jonny'O

Unknown disse...

É incrível aceitar a condição de "anistiamento" para os pilotos que colaborassem após ler os emails entre o de la Rosa e o Alonso.

Os caras conversavam sobre informações alheias como se fosse coisa de dentro da Mclaren.

Quer dizer: o Alonso foi totalmente desonesto e ainda fudeu com a equipe para tirar o dele da reta!

Anônimo disse...

Ico, parabéns pelo texto. Acho interessante que na impresa alema nao vejo ninguém condenando a McLaren. Será que é por causa da Mercedes?

Misterioso disse...

Eu sou um fã de Fórmula 1 desde que me entendo por gente, mas infelizmente os últimos anos ficaram tão enfadonhos que passei a acompanhar com mais interesse outras categorias, como a IRL, Champ Car, GP2, MotoGP, Stock Car, etc.

Não que essas categorias sejam tão boas como a F1 de antigamente, mas elas mantém um pouco de "amadorismo" que falta na F1 de hoje.

Neste ano em especial, corridas são acessórios, o que vale para a F1 são as intrigas de bastidores e sinto a mesma coisa que você, Ico, ao falar das corridas. Não dá a mínima vontade de falar delas. E esse escândalo só serviu para mostrar que a F1 está longe de querer mudar, e isso é que é o mais triste.

Anônimo disse...

saudações! =D é, realmente, foi uma sujeirada só... me diz, onde eu acho tradução dos e-mails q os pilotos trocaram? estou procurando na internet + ainda ñ encontrei. adorei o seu blog, é fantástico p/ qm ama F1 como eu! *-*
bjos =*****

Blog F1 Grand Prix disse...

Ico,

Com todo o respeito, não concordo nem um pouco. Quer dizer então que vamos destruir a categoria para trazer honestidade ao esporte? Veja o caso do ponto de vista dos dirigentes. Para eles, a pergunta que interessava era: "vale a pena punir a McLaren?". Se até a Ferrari deu-se por satisfeita, por que forçar mais? Certo ou errado, sinceramente, não fazia diferença. O que importa é manter a marca "Fórmula 1" intacta. Foi isso que eles fizeram. Para mim, uma decisão acertada, sensata, inteligente e prática dos dirigetnes. Eles salvaram a categoria.

Grande abraço!

P.S.: Se fosse ao contrário, alguém em sã consciência conseguiria imaginar a Ferrari punida??

Ico (Luis Fernando Ramos) disse...

Blog F1 é exatamente este ponto que me incomoda. Eu nao me preocupo com a "marca F1" até porque nao ganho dinheiro com ela. Sim, eu cubro a categoria e cubro o que gosto, mas ela nao existisse, iria reportar sobre política, música, informática, futebol, aliás todos temas sobre os quais escrevo de vez em quando e gosto muito.

Eu me preocupo com o esporte automobilismo e sua categoria mais tradicional e fascinante. Jogo sujo sempre existiu, mas criou-se uma bola de neve que chegou a um ponto que, para mim, há tempos é inaceitável.

Fosse a Ferrari quem tivesse à mao um dossiê do MP4-22, gostaria de uma punicao exemplar do mesmo jeito. A categoria entraria em crise com Ferrari (ou com McLaren-Mercedes) tomando dois campeonatos de gancho? Sem dúvida. Mas duvido que ela morreria. Pelo contrário, teria uma chance de voltar mais forte e interessante do que esta chatice técnico-burocrática que ela se transformou. Adoraria que isto acontecesse, mas "sou só um nostalgicozinho contra esse mundo todo".

Isto posto, entendo e respeito seu ponto de vista com a manutencao das aparências da categoria.

Abs!

Anônimo disse...

A única esperança que tenho de a F1 voltar a ser (um pouco) como a gente gostava é no dia em que Bernie e Max se retirarem. Aí, teremos uma chance.

Abraços!

Blog F1 Grand Prix disse...

Ico,

Muito obrigado pela consideração!Também entendo e respeito o seu ponto de vista completamente. Era uma decisão muito, muito difícil. Só deixo uma curiosidade: Mosley defendeu a exclusão total da McLaren enquanto Ecclestone fez lobby pela preservação dos pontos dos pilotos. Parece incrível, mas a vontade de Bernie parece sempre prevalecer no final, não é mesmo?

Grande abraço!

Anônimo disse...

Desculpe bancar um pouco de advogado do Diabo nesta historia. Eu gostaria de ver o que o Scaglione tem a contar, pois as informacoes que tenho da reuniao sao de que foi um lobby desgracado da Ferrari rodando o tempo inteiro. A defesa da Ferrari estava com a FiA a tempos e o relatorio da McLaren so foi aceito 11.30pm no dia anterior. Se isso for verdade, obviamente o relatorio sairia de forma tendenciosa - alias, muito pouco se menciona sobre a defesa da McLaren nao?
Um segundo fato, e isso eh so especulacao, eh questionar o fato de os pilotos terem informacoes e a FiA duvidar que engenheiros sabiam. Eu acho que eh muito facil passar certas informacoes para o piloto, o engenheiro de cara veria que era porcaria mas o piloto fica no orgulho de dizer que sabe do outro carro. O Pedro, alias, eh facilmente tendenciado - uma folclorica eh de quando ele dirigiu o carro com um motor de pistao mais leve e dizia que sentia o motor querendo girar mais alto... que balela...