quarta-feira, 5 de setembro de 2007

JOCHEN VIVE

O dia 5 de setembro de 1970 representa, para um austríaco, o mesmo que o 1° de maio de 1994 para um brasileiro, ou o 22 de novembro de 1963 para um norte-americano. Todos aqui se lembram o que estavam fazendo quando chegou a notícia da morte de Jochen Rindt. O velocíssimo piloto (para muitos, o mais rápido da história da Fórmula 1) gozava de extrema popularidade em seu país e realizava em Viena todos os anos o “Jochen Rindt Show”, uma feira de automobilismo que atraía gente do mundo todo.

Rindt morreu porque o freio dianteiro direito arrebentou na freada da curva Parabólica, em Monza. Sem resistência ali, o carro guinou para a esquerda e se afundou no guard rail, batendo em uma pilastra de ferro. A frente do carro se abriu e o piloto, que usava apenas um cinto de segurança transversal, escorregou pela força da inércia e teve o pescoço cortado pela fivela do cinto.

A sensação geral era de que Rindt fora mais uma vítima da obsessão de Colin Chapman em construir carros leves, mas pouco seguros. O fato é que ele tivera um acidente em Clermont-Ferrand, naquele ano, quando a barra da direção quebrou. Na volta aos boxes, chamou Colin e os mecânicos, e disparou: “Da próxima vez que isto acontecer, e eu sobreviver, eu mato todos vocês!”

Não houve uma próxima vez. Rindt era, ao lado de Stewart, o grande lutador pelo aumento da segurança na Fórmula 1. Acabou aumentando as estatísticas de uma época um tanto sangrenta. E se tornou o único campeão póstumo na história da Fórmula 1, uma trágica ironia para quem foi para Lotus unicamente com este intuito, mesmo sabendo dos riscos que corria por . “Se você quer ser campeão, vá para Lotus. Se quiser ficar vivo, fique na Brabham”, aconselhou, em 1968, seu empresário Bernie Ecclestone.

O colega Paulo “Speeder76” vem fazendo uma ótima retrospectiva sobre Rindt em seu blog. Vale muito a sua visita! Abaixo, reproduzo uma coluna minha do GP Total, publicada em fevereiro de 2005. O tema principal é Colin Chapman e a Lotus. Mas não deixa de ter muito a ver com o assunto.

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UMA CARTA PARA COLIN CHAPMAN

04/02/05


Prezado Colin,

Acabei de chegar de Genebra e terei amanhã uma segunda opinião sobre o estado da minha cabeça. Pessoalmente, me sinto muito fraco e doente, ainda tenho de ficar deitado a maior parte do dia. Depois de ver este novo doutor e ouvir sua opinião, poderemos fazer uma decisão final sobre Mônaco e Indy.

Estou segurando esta foto incrível que mostra muito bem o acidente. Não sabia que tinha voado tão alto. Aparentemente, Robin Herd viu a asa quebrar, mas ele não pôde ver o acidente porque ele ocorreu depois da curva.

Mas vamos ao assunto principal, Colin. Estou correndo na F-1 há cinco anos e cometi um erro (entrei por trás no Chris Amon em Clermont-Ferrand) e tive um acidente em Zandvoort causado por uma falha na hora de entrar uma marcha. Fora isso, consegui sempre me manter longe dos problemas. Esta situação mudou rapidamente desde que eu entrei na sua equipe: Levin, F-2 em Nürburgring e agora Barcelona.

Sinceramente, seus carros são tão rápidos que ainda seríamos competitivos com alguns quilos a mais para fortalecer as partes mais frágeis. Em cima disso, acho que você deveria prestar mais atenção no que seus funcionários andam fazendo, tenho certeza que a suspensão do F-2 seria diferente. Por favor, leve meus pensamentos em consideração. consigo dirigir um carro que eu confie, e o ponto da falta de confiança está muito próximo.

Saudações.

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A carta acima foi assinada pelo austríaco Jochen Rindt em 9 de maio de 1969, cinco dias após o acidente que sofreu em Barcelona quando a asa traseira de sua Lotus 49B se quebrou. O documento serve para ilustrar a maneira de Colin Chapman trabalhar: sempre buscando inovações nos seus equipamentos, levando-os ao limite, ainda que isso deixasse seus pilotos inseguros (interna e externamente).

Em uma época sem computadores e seus sofisticados programa de engenharia, Chapman se destacou pela genialidade. Não faltam relatos de algum estalo que o construtor teve enquanto jantava com amigos. Em um pedaço de guardanapo, fazia os primeiros rabiscos de alguma inovação que acabaria mudando a história da Fórmula 1. Algumas delas são aplicadas até hoje.

Ele criou o chassi monocoque, fez experimentos com um F-1 de tração nas quatro rodas, competiu com um carro-turbina (com Emerson Fittipaldi no GP da Itália de 1971) e criou o revolucionário carro-asa. Reza a lenda que esta descoberta veio por um acaso: Chapman teria fornecido dados errados em um teste num ainda primário túnel de vento, indicando a parte inferior do carro em fórma de abóbada ao invés de plana. Ele e o engenheiro Peter Wright quase caíram da cadeira quando viram os resultados: obtiveram o dobro de pressão aerodinâmica.

Para mim, sua grande obra foi o Lotus 72, o carro no qual o pobre Rindt perderia a vida e ganharia o título póstumo, e também o bólido da primeira conquista de Emerson Fittipaldi. Em forma de cunha, com radiadores nas laterais, o 72 marcou o rompimento com a Fórmula 1 do passado. Foi o fim dos famosos charutinhos e o início da era moderna, onde a aerodinâmica e os materiais mais leves ditariam o rumo a seguir.

Mas o preço do sucesso das criações de Chapman se mostrou muito caro para diversos pilotos. Alan Stacey (1960), Ricardo Rodriguez (62), Jim Clark, Mike Spence (ambos em 68), Jochen Rindt (70) e Ronnie Peterson (78) perderam suas vidas em cockpits da Lotus. Em 62, foi também a bordo de um Lotus que Stirling Moss sofreu o acidente que encerrou prematuramente sua carreira.

Esta triste lista explica as preocupações de Rindt na carta acima. Talvez, Chapman era um homem à frente do seu tempo. Fosse na F-1 contemporânea, o construtor poderia brincar à vontade que o risco a seus pilotos seria minimizado pela célula de sobrevivência e por circuitos infinitamente mais seguros que nos anos 60 e 70.

Um enfarte em dezembro de 1982 tirou a vida de Colin Chapman. Dizem.

Na época, o fundador da Lotus estava envolvido em um enorme escândalo financeiro. Das 80 milhões de libras destinadas à construção de uma fábrica para os carros DeLorean em Belfast, 17 milhões foram desviadas às contas de Chapman e John DeLorean na Suíça. Boa parte do dinheiro provinha do Governo Britânico, da “Dama-de-Ferro” Margareth Thatcher. Desaparecer numa hora como aquela era uma boa para o construtor. Ninguém nunca viu seu corpo, o caixão estava lacrado no enterro.

Em 1992, a justiça condenou Fred Bushell, diretor-financeiro da Lotus na época de Chapman, a três anos de prisão e uma multa de 2,25 milhões de libras. O juiz do caso fez a ressalva que, se ainda tivesse vivo, Chapman passaria pelo menos dez anos atrás das grades.

Sua Lotus foi passando de mão em mão e, aos poucos, se afundando em dívidas e projetos fracassados. Destaque para o Lotus 100T de 1988, tão ruim que afugentou a Honda da equipe, e os milhões desperdiçados com o péssimo motor Lamborghini no início dos anos 90. Em outubro de 1994, o espólio da equipe foi comprado por David Hunt, irmão do campeão de 1976 James Hunt. Sem conseguir patrocínio e dinheiro para pagar as dívidas, o novo dono anunciou o fechamento da Lotus em fevereiro de 1995, há exatos dez anos.

Hoje, Clive Chapman dirige o Classic Team Lotus, que negocia e restaura antigos bólidos construídos por seu pai e os chefes-de-equipe que o sucederam para a diversão de gente muito endinheirada. A sede é a mesma dos velhos tempos, o charmoso castelo de Kettering Hall, ao lado da fábrica em Hethel. David Hunt ainda possui os direitos sobre o nome da equipe para a Fórmula 1, e volta e meia surge o rumor de que alguém vai comprá-los para trazer a Lotus de volta à categoria. De um jeito ou de outro, o mito criado por Colin Chapman permanece vivo.

6 comentários:

Anônimo disse...

Ia ser interessante ver novamente um mundial disputado por McLaren, Willians, Lotus e Ferrari. Uma pena que a equipe Lotus ( assim como a Tyrrel e Ligier) não tenham sobrevivido ao final dos anos 80 e início dos anos 90

Anônimo disse...

Rindt é pra mim, um meus pilotos preferidos e também o considero um dos mais velozes de todos os tempos. Acho ele melhor que Lauda. E vocês?

Anônimo disse...

O Rindt era velocíssimo, um dos grandes do automobilismo, mas não teria tido uma carreira de tantos títulos como a do Lauda. Era intenção dele abandonar as pistas depois de ter conquistado o título. Provavelmente ele hoje seria sócio do Bernie no controle dos negócios da F1.

Entre as "baixas" da Lotus, não dá pra esquecer do Graham Hill, que teve a carreira competitiva na F1 praticamente encerrada com o acidente em Watkins Glen em 69.

Anônimo disse...

SOu Fã do Lauda. Acho história dele de superação após o acidente.

Anônimo disse...

Sobre a "descoberta" do efeito solo, eu li outra história, contada pelo Peter Wright. Ele já tinha desenhado e testado em túnel de vento um modelo de carro asa em 1969, quando trabalhava para a BRM. Wright saiu da BRM, passou pela March (onde aplicou algumas das idéias de seu carro-asa no 701, de 1970) e anos depois foi trabalhar na Lotus, chamado pelo seu ex-chefe, Tony Rudd.

Por volta de 75, com a aprovação de Chapman, Wright voltou a pesquisar o efeito-solo, usando uma maquete em túnel de vento. O que faltava no conceito de Wright eram as "minissaias", que selavam o ar que passava pela asa invertida. Essas sim parece terem sido descobertas por acaso. De tanto modificar a maquete, essa foi aos poucos desmanchando e sendo remendada; de repente, depois de uns remendos terem sido colocados nas laterais, os resultados melhoraram muito. De volta à prancheta de desenhos...

Chapman era indubitavelmente um gênio, mesmo que ás vezes isso fosse apenas reconhecer as boas idéias de seus subordinados, que no fim acabavam sendo atribuídas a ele.

AC disse...

Excelente artigo.