domingo, 20 de julho de 2008

TREM BÃO

Meu iPod tem 5406 músicas guardadas dentro de si. No instante em que tomei o avião em Viena, nas primeiras horas da quarta-feira, retomei o mesmo experimento das outras viagens: colocar todas elas para tocar aleatoriamente e ver a quantidade que eu escutei quando chegar de volta em casa. Como regrinha, só posso ouvi-las quando estiver me locomovendo de um lugar a outro. Ou seja: no autódromo ou onde estou hospedado, o bichinho fica desligado.

Até o momento, estou na música de número 209. É muito. Porque este GP da Alemanha tem sido diferente das etapas anteriores. Aqui, tenho a possibilidade de ser recebido na casa do pai de um amigo (ou, melhor dizendo, o marido alemão de uma amiga brasileira, mas que virou amigo também pela sempre agradável convivência), um abrigo que já tinha utilizado nas coberturas de 2005 e 2006. O pai também é um cara muito bacana, gosta de contar piadas e me chama de “austríaco”. Ele mora a poucos quilômetros do circuito, na pacata cidade de Waghäusel. Pela localização, é um lugar onde vale a pena quebrar a rotina de carros alugados ou vans da organização que passam em portas de hotéis. Meu meio de locomoção, aqui, tem sido o trem.

O grande barato de viajar com as locomotivas é que você acaba deixando de se preocupar com o relógio e com o ritmo frenético do trabalho. Sua medida de tempo passa a ser um sagrado folheto de papel, a planilha de horários dos trens. É ela – e só ela – que vai ordenar suas prioridades. E eu jamais poderia imaginar como isso é bom.

A duração da viagem de Waghäusel até Hockenheim é de sete minutos, são apenas duas paradas. E os maquinistas devem ser todos suíços. Na quinta-feira, calculei mal e cheguei na estação às 8h49, bem a tempo de ver o trem das 8h48 indo embora, chacoalhando feliz em direção ao norte. Aliás, os deslocamentos a pé até as estações de trem são mais longos que o próprio trajeto entre as cidades. Em Waghäusel, demoro 12 minutos da casa até a Bahnhof. E, em Hockenheim, são vinte minutos contadinhos no relógio entre a plataforma e o quartel do corpo de bombeiros – é ali que fica o estacionamento da imprensa, de onde saem as vans para levar-nos à pista que, você leitor do blog já sabe, fica do outro lado da Autobahn.

Todo este ritual, embalado pelas músicas do iPod, tem sido gostoso demais. De manhã cedo, o passeio por Waghäusel é tranqüilizante, um vilarejo residencial cheio de casas onde pulsam vidas silentes. Ver algum morador é um acontecimento, algo que só acontece se eles estiverem tirando ervas-daninhas do jardim. E ainda te cumprimentam com um “Guten Tag”, o semblante levemente curioso em saber o que faz ali aquele sujeito de passo apressado e cara de árabe (sim, o cavanhaque, eu sei).

Mas, eis que hoje, entre o banco que deve ter uns 17 clientes e o campinho de futebol com finas traves pintadas em amarelo e vermelho, surgiu um grupo também andando rapidamente para pegar o trem. Vestiam bonés vermelhos e ostentavam bandeiras da Finlândia. Incrível, era uma turma de quatro jovens que veio diretamente da cidade de Espoo, onde Kimi Raikkonen nasceu, e também se hospedou naquele mar de tranqüilidade. Na casa do pai de um conhecido!

Na outra ponta do percurso, Hockenheim é bem mais agitada, principalmente no final de semana da Fórmula 1. Tem McDonald’s, lojas de celulares, fitness center e kebabs sendo vendidos em janelinhas, sinal inequívoco que você está na Alemanha. Há também um charme irresistível, com ruas estreitas e calçadas na cor bordô. A febre da corrida aparece em cada esquina, no camping lotado, na tabacaria toda decorada com cartazes de edições antigas e também nos taxistas gananciosos.

No final do dia, esgotado pelo trabalho, às vezes tenho de recorrer a um motorista de táxi para não ser deixado para trás pelo maquinista suíço. É uma loteria. Na sexta, peguei um enorme salafrário, que acionou bandeira 4 (!) e ainda deu uma volta gigantesca para chegar na Banhof e faturar uns Euros a mais. Mas ontem, minha chofer foi uma mulher figuríssima, que falava pelos cotovelos da sua paixão em ser taxista, e da glória que sentiu no dia em que teve Fritz Walter em pessoa como passageiro. Fritz Walter, que sensacional!

São experiências aparentemente insignificantes, todas vividas fora do autódromo. Mas que, juntas, fazem deste GP da Alemanha uma cobertura completamente diferente das demais. Variedade é sempre bom para dar um tempero diferente neste ritmo insano, deliciosamente insano, do trabalho. Hoje é domingo, a jornada já está acabando e já fica o gostinho de “quero mais” para a próxima corrida. Vamos ver quantas músicas do iPod ela vai permitir. Em Budapeste, de carro, deve ser bem menos que aqui. E infinitamente menos que na Austrália, uma viagem na qual só o vôo consome quase a bateria toda do aparelho. Haja música!

6 comentários:

Anônimo disse...

Andar a pé pelo interior da Alemanha é delicioso.

Ainda mais no caminho pra uma estacão de trem!

Mais ainda indo pra uma corrida de F1, quando você sabe que todos os outros milhares de expectadores vão de qualquer outro jeito se enfiando em garrafamentos ou qualquer coisa do tipo.

É um negócio surreal comparado ao que acontece no Brasil...

Anônimo disse...

pois é, é um negocio surreal como disso o amigo acima, a gente aqui no brasil nem consegue imaginar direito tamanha facilidade pra se locomover por um continente inteiro

Anônimo disse...

Ico, só posso dizer que você é um privilegiado.

E também que ler suas histórias é muito prazeiroso, mesmo para nós, do lado de cá do atlântico.

Abraço!

Anônimo disse...

Eita...

Bandeira 4 é dose. Quanto ficou esse táxi?Agora fiquei curioso.

Abraços.

Anônimo disse...

Mora em Viena? Eu estou morando!

Anônimo disse...

Caro Ico
Extremamente praseirozo ouvir o lado de fora da pista, e bem longe dela, através de suas experiencias.
Não pare, depois coloca tudo num livro.