sexta-feira, 3 de abril de 2009

CIRCO ROMANO OU TEATRO GREGO?

A coletiva de imprensa promovida pela McLaren hoje beirou o ridículo. Lewis Hamilton chegou com a mesma expressão de assustado de ontem. Atrás, o pai Anthony e os dois assessores de imprensa da equipe (um é ex-editor da F1 Racing e outro, ex-repórter da Autosport). Com a voz fraquejando, o campeão mundial deu um depoimento espontâneo pedindo desculpas a fãs, membros da equipe e até para a imprensa. Disse que foi incitado a ludibriar os comissários de Melbourne pelo diretor-esportivo Dave Ryan e que não era um mentiroso.

As perguntas foram abertas depois aos jornalistas, mas o mestre-de-cerimônias – o mesmo que comanda as coletivas oficiais da FIA - deixou claro que ele selecionaria quem fosse falar. A palavra, claro, ficou reservada quase que exclusivamente aos ingleses, a maioria, ex-colegas de redação dos hoje assessores da equipe. As perguntas foram amenas, muitas acompanhadas com palavras de incentivo e absolvição. Ao final dos 15 minutos de entrevista, essa meia dúzia de profissionais até ensaiou um aplauso enquanto Hamilton saía da sala. Foram abafados pelo silêncio de todos os outros presentes, atônitos com a manifestação.

Perdeu-se a oportunidade de fazer uma pergunta realmente relevante. “Lewis, você tem 24 anos de idade, é campeão do mundo e foi orientado por um membro da equipe a mentir para os comissários de prova numa corrida de Fórmula 1. Não era apenas uma mentirinha para um amigo sobre uma loira que você conheceu numa balada. Era um depoimento que influenciaria o resultado de uma prova vista por centenas de milhões de pessoas. Você não pensou em dizer ‘não, isso é errado’?”

Se Hamilton demonstrou lealdade à turma que o apoiou a carreira inteira, o que é compreensível e até louvável, deu as costas aos seus fãs e manchou sua própria imagem. Conversei com pilotos e ex-pilotos no paddock e a conclusão foi sempre parecida. Você obedecer a contragosto uma ordem de equipe enquanto está no cockpit é uma coisa. Quem está no pitlane tem uma visão bem mais global do que está acontecendo – e deve ter sido justamente isso que o levou a devolver a posição a Trulli lá em Melbourne, mesmo achando que não deveria (e, a meu ver, não deveria mesmo, mas volto a repetir que isto é irrelevante diante do que foi feito na sala dos comissários).

Mas mentir deliberadamente, depois de instruído, quando você já está fora do carro é inexplicável, foi o que disseram as vozes do paddock. Ainda mais na situação que isso ocorreu, diante das autoridades esportivas. Difícil não concordar. Se não agiu levianamente pensando apenas em tirar vantagem, Hamilton demonstrou uma enorme fraqueza de caráter nesse episódio todo. E vendo sua absoluta decisão e autoconfiança dentro das pistas, essa ingenuidade é uma hipótese um pouco improvável.

Tudo indica que Dave Ryan se juntou a Mike Coughlan como outra vítima para salvar a imagem de santa imaculada protetora da pureza esportiva propagada pela McLaren. Um discurso turvo de ‘eles agiram errado, mas não sabíamos de nada’. Nas palavras de um piloto do grid: “Esse tipo de postura é típica de quem é arrogante e se acha acima de tudo”.

A comunidade, claro, tenta blindar a equipe. Na coletiva do início da tarde, com os chefes de equipe, Martin Whitmarsh foi bombardeado com questões relativas ao assunto. A certa altura, o mesmo mestre de cerimônias orientou que o assunto fosse descartado. Foi ótimo ver um jornalista inglês se revoltar contra o colega. “Se não podemos perguntar o que achamos importante, o que estamos fazendo aqui? Isto é ridículo”.

Pois é. No circo em que se transformou a Fórmula 1, existem os mágicos da Brawn GP (e muita gente de olho no “truque” deles), os cavalos a mais do KERS e os malabaristas da McLaren que fizeram uma pirâmide humana em cima de um bode (expiatório). E nós continuamos a ser tratados como palhaços.

30 comentários:

Léo Engelmann disse...

É.

Hamilton entregou a mentira a quem o mandou mentir.

Hamilton lavou as mãos. Mas com as próprias lágrimas.

Ron Groo disse...

A Mclata tem protagonizado as situações mais tristes da F1 nos ultimos anos. Lamentavel.
E quanto a Hamilton, será que vai ficar estigmatizado como Dick Vigarista ou como o povo do PT no governo dizendo: "Eu não sabia", ou como a turma do Chavez: "foi sem querer querendo!".
Que inicio de temporada...

Luiz G disse...

Não acho que Hamilton ou a McLaren tenham feito os fãs e jornalistas de palhaços. Acho que a F1, como um todo, tem feito isso.

Nos últimos anos, tantas histórias de desclassificações, punições, ter que deixar outro piloto passar, espionagem entre as equipes....tudo isso tem sido uma palahçada....

Não culpo Hamilton por nada. Ele é empregado de uma empresa, recebe ordens e obedece. Como você mesmo disse, ele mostra fidelidade ás pessoas que o ajudaram na vida e quer garantir o emprego e o lugar na McLaren.

Speeder76 disse...

Em parte concordo com o Luiz G e com o Groo. No caso do primeiro, tem a ver com o facto do Hamilton ter uma lealdade canina para com a McLaren, no qual faz com que cumpra as ordens emanadas da equipa. No caso do Groo, tem a ver que a McLaren, que nunca jogou limpo, salpica essa sujeira para o Hamilton. E como é ele que dá a cara, paga pelos pecados. Vai ser tão odiado como Schumacher. Querem apostar?

Marcelo Witt disse...

Porque Circo Romano ou Teatro Grego? Porque não Encenação Brasileira mesmo? Afinal, nós também temos um dirigente (aliás, o mais alto dirigente do país) que nunca sabia de nada das mentiras de quem estava abaixo dele. E ainda com um agravante: defendia-os até o último estágio. A McLaren pelo menos de imediato suspendeu quem teve a infeliz ideia.

Rodrigo Dias disse...

Culpa do Bernie Ecclestone que a Fórmula 1 anda chata.

Agora, falando sério - não que a parte do véio não ter parte das culpas pela chatice -, o Hamilton é empregado. Se não obedece, é demitido. É errado? É. Mas hoje a Fórmula 1 parece ser mais comercial do que passional.

Se fosse o Piquet, teria dito na coletiva: "Aí eu mandei o comissário tomar no c*...".

Victor disse...

Como disse no blog do Capelli : S eo cavalo soubesse da força que tem, nenhum homem nunca o montaria.

Acho que esse é um ditado bem apropriado.

Unknown disse...

eu ainda sou novo
mas me acostumei com uma epoca onde mesmo errado o cara admitia que errou
ou mesmo se tinha feito deliberadamente acabava por admitir em vez de mentir
realmente o carater dos pilotos de hoje em dia condiz com a tag de "geração Playstation" que eles recebem com algumas raras exceções é claro

Fabrizio Salina disse...

Falou e disse. O melhor comentário sobre o assunto.

Richarley Menescal disse...

Duvido que o Hamilton fosse demitido por simplesmente não omitir uma informação. No máximo, teria um puxão de orelha do pessoal da McLaren, mas seria algo interno, sem maior exposição, e eles viveriam felizes pra sempre com seus 6 pontos garantidos do GP da Austrália. Por isso concordo com o Ico de que foi um erro groceiro tanto da equipe quanto do piloto e que só prejudicou o Dave Ryan, porque seria o menor dos prejuízos.

A Formula 1 já peca por esse excesso de regras, onde um resultado pode ser mudado por um bando de comissários impiedosos... Isso não é nada bom para o espectador, que quer ver os pilotos motivados a brigarem, na pista, por vitórias ou posições importantes. Mas também não justifica uma equipe dar uma de espertinha para se beneficiar dessas próprias regras, fora das pistas.

luiz carlos disse...

Hamilton desempregado por ir contra as orientações da equipe? Queria ver...

Thiago Arantes disse...

O Hamilton deve tanto à McLaren que isso o "obriga" - bem entre aspas - a entrar nesse tipo de armação.

Mas ainda penso que comparar esse episódio ao da espionagem é exagero. Neste caso, houve uma mentira planejada com um piloto e um diretor envolvidos, até que se prove que há mais; naquela, era muito mais gente, e não foi "só" uma mentira. Foi espionagem industrial, com pilotos trocando SMSs sobre acertos, enfim...

Ambas são atitudes desonestas, mas não dá para comparar o bombom que você rouba nas Lojas Americanas e o enriquecimento de senhores como Paulo Maluf, pra ficar no caso mais evidente.

Fleetmaster disse...

Sem desculpas para ele.

Priscilla Bar disse...

AH 2007!...

O que será que nao aconteceu naqueles bastidores....?

R/T disse...

Eu disse em 2007 que esse cara era o que poderia acontecer de pior pra F1, e aí está, um falso, cinico, sujo e imorl dentro da pista, um pilantra, esse de fato é o Dick, e é mais um dos hypes que a imprensa cria, piloto por piloto Vettel, Kubica, Alonso e Kimi são muito superiores a ele, mas não são ingleses e nem correm em equipes inglesas

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Fazendo só um "a parte" aqui; porque que ainda tem uns chatos sem noção que insistem em misturar politica a qualquer assunto em pauta ? Seria recalque, burrice, chatice ou falta de noção mesmo ? Se é assim posso falr que o comportamento de hamilton e mclaren é igual a da quadrilha chamada psdb, que só sabe roubar e se posa de vestal, inocente, tal qual o mentiroso acima citado

Leandro Martinuci disse...

E daí que o Hamilton é emprega da Mclaren? Eles o demitiriam se contasse a verdade? Já ficou bem claro que o castigo foi pela falta de caráter. Que o cara é sujo, não tenho dúvidas. Como alguém citou muito bem: são grandes as chances de ele ser mais odiado que o Schumi.

É um absurdo tal postura dele e da equipe. Pra mim a punição foi bem adequada, pra todos. Como eu disse antes, cadê o fair play dos ingleses?

A propósito, excelente texto Ico. Domingo eu acerto a estação do rádio.

Klauss disse...

Respondendo à pergunta do título - sim, isso parece circo Romano.

Quer queira quer não, o Teatro Grego tratava de virtudes da alma que a F-1 de hoje em dia só conhece em falas da boca pra fora, na hora de aplicar punições e tudo o mais...

Mas vamos e venhamos, o exemplo não tem que vir de cima? Volto a dizer que a moralidade de um presidente que se excita com fantasias Nazi e chicotadas, se reflete nas regras que ele cria e no circo que ele monta... Coloque um cara no lugar dele com uma moral acima de qualquer suspeita e veja se a cara do esporte não melhora!

Gustavo disse...

Ico,

Comentário arretado! Parabéns!

Marcelle Costa disse...

aiai que ridiculo. vamos esperar pelas proximas provas, mas...será que com um carro ruim vai ter gente querendo ainda compara-lo a senna.? Esse sim foi um grande peso para lewis....

Anônimo disse...

Falha também dos comissários, da direção de prova e da FIA, afinal se tudo fosse mais bem organizado não haveria essa brecha para que uma inverdade fosse dita.

É muito facil falar que o Hamilton poderia não mentir....

A prova que mostra que ele foi coagido é a entrevista que ele deu falando exatamente o que aconteceu sem mentiras....

A punição não deveria ser no resultado da prova, afinal todo esse problema foi gerado pela falta de organização da F1, que não soube exclarecer antes do fim da corrida em que posição o Lewis E o Jarno deveriam estar.

Renato Muller disse...

ê, palhaçada! Do Hamilton, da McLaren, a babação de ovo da imprensa inglesa (parecem os manés que cobrem futebol no Brasil e ficam puxando o saco dos jogadores)... Coisinha ridícula!

Marcos Antonio disse...

Disse tudo Ico, seu último parágrafo resumiu todo o pensamentos dos que comandam a F1.

E Hamilton,manchou mto a sua imagem com esse episódio.

Stagliano disse...

Cara, excelente texto. Parabéns, acabou de ganhar um leitor assíduo.

Marcelo disse...

Teatro de todos para divulgar a categoria. Nunca a F1 foi tão vendida.

Todo mundo ali é amigo.

Juliano "Kowalski" Barata disse...

Tão ou mais vergonhoso que a postura de Hamilton e da McLaren é o papel corporativo prestado por estes jornalistas que o Ico se referiu. Lamentável, absolutamente.

ivan disse...

Bom dia a todos.
Ico, Por tudo que ja foi comentado por ai, cheguei a conclusao de que o maior culpado de tudo o que aconteceu e o proprio Hamilton.
Se ele tivesse informado a equipe que ele ja tinha dito a verdade para o canal de tv. A equipe nao iria omitir os verdadeiros fatos do ocorrido para os comissarios. A equipe nao seria tao ingenua.

Eduardo Malheiros disse...

Ico, perfeito como sempre. Quem entra e comenta aqui sempre sabe que esse blog é diferenciado justamente nas questões que vem de dentro do paddock, das coletivas de imprensa, conversas com pilotos e ex-pilotos e questões afíns.

O que me deixa indignado tanto quanto tudo que foi citado no comentário são essas pessoas que levianamente tentam defender o Hamilton ou a Mclaren nesse episódio, quando de fato, quer você seja um fã ou não, eles pecaram feio.

Não tem campeonato, não tem patrocínio, não tem necessidade, ordens ou dívida moral que justifiquem a falta de ética, especialmente num meio esportivo. Não, nada aconteceria com o Hamilton se ele não obedecesse a suposta "ordem". Não com o Hamilton do Ron Dennis, não com o campeão mundial, não com o piloto que "superou" Alonso com o "mesmo carro", não com o MBE membro do império britânico Hamilton. "Ordens" que convém são facílimas de serem seguidas.

Eduardo Malheiros disse...

E outra, uma ordem na Fórmula 1 não é algo que cabe a uma pessoa como estão querendo que se acredite. Numa equipe de Fórmula 1, especialmente na Mclaren controlada por diferentes pessoas e até governo, uma ordem passa por muitas cabeças antes de chegar ao conhecimento de um piloto. Mesmo porque, o rádio e consequentemente a situação do piloto na prova e as ordens que estão lhe sendo passadas chegam ao ouvido de toda a equipe. Não existe essa questão de se apontar dedos para quem errou e de julgar-mos a Mclaren correta por "afastar" o suposto culpado. Essa situação é tal ou mais teatral, ou no caso, circense, do que o discurso do Hamilton e a "escolha amistosa" dos repórteres da entrevista coletiva.

Grande abraço!

Anônimo disse...

Assino embaixo. Concordo com todas as palavras, mas com toda honestidade... não acredito que um cara de 24 anos, que trabalha desde a infância e já comeu o pão que o diabo amassou pra chegar até onde chegou, seja imaturo a ponto de abaixar a cabeça quando lhe orientam a mentir.

Não adianta tirar o corpo fora, ele tem tanta culpa (ou até maior) quanto o cara que, segundo ele, o orientou a mentir.

Costumo admirar pilotos acima da média, afinal me interessa apenas o que eu vejo pela TV, e não a postura deles consigo mesmos ou em seus ambientes de trabalho. Mas confesso que, como fã de Hamilton, me decepcionei muito com o fato. Se a postura da FIA foi ridícula, a do piloto inglês foi vergonhosa.


http://brf1.blogspot.com

Anônimo disse...

Eu sinceramente já não sei mais o que pensar. Aliás, sei que se continuar assim, no final do ano não vai ter mais ninguém trabalhando com o Martin. Já levantei no blog do Gomes essa questão. Acho improvável que esse tipo de decisão não passe Pelo Martin. Ele sempre põe algum incauto para dar a cara a tapa. Não é mais questão de não gostar pessoalemente dele, e sim de não ver mais como ele pode passar incólume a esses problemas. Eu duvido que no episódio de 2007 com a Ferrari ele não soubesse. Acho que o Dennis deveria tê-lo afastado na época. Mas aí já é outro assunto acho que pode ser que o Dennis soubesse também e aí... Mas isso fica para a próxima.
Uma coisa que também escrevi no GomovBlog é que a McLaren esse ano não tem uma base de trabalho do Adrian, o carro é novo, e não tem a experiência do Alonso - para quem riu dos seis décimos dele - .
Em 2006 o carro não era tão ruim como tantos achavam, mas não havia piloto trabalhador para desenvolvê-lo. Ainda que não houvesse evoluído como poderia para 2007, foi nítida a sensação de que o Alonso desenvolveu ele muito bem. Em 2008 era praticamente a mesma coisa, e o Hamilton aproveitou tudo que o Aonso deixou por lá em termos de acertos. Esse ano, não dá para aproveitar nada do último projetista bom que por lá passou e também nada do que deixou um piloto realmente trabalhador. Hamilton para mim, é como Button ou Raikkonen, anda muito forte mas não gosta de perder tempo em cima de acerto. Ou melhor, não consegue.
Para os defensores do Hamilton, do Senna, fica a minha afirmação de que piloto de verdade tem que ter muito mais qualidades do que o é direito pesado.
Acho até que vou escrever isso essa semana no meu blog, que não trata de F1, mas o tema vem à calhar.