terça-feira, 19 de maio de 2009

UMA VOLTA DIFERENTE

No ano passado, dei uma volta a pé pelo traçado de Mônaco, num momento muito bacana e especial. Hoje, acabei fazendo boa parte da volta no meio de transporte mais inadequado para o apertado circuito de rua: um ônibus. Era a linha 110, que liga o aeroporto de Nice à cidade de Menton, a 36 quilômetros de distância, onde estou hospedado. Passando justamente pelo coração de Monte Carlo. E olha, não foi uma voltinha qualquer não. Porque o motorista, típico francês na atitude rude por trás do idioma mais educado que existe, era uma espécie de Gilles Villeneuve dos transportes coletivos.

Foi mais ou menos na metade do trajeto que o busão entrou no Principado e começou a baixar pelas ruas rumo ao porto. De repente, estávamos na reta de largada, em meio ao ritmo frenético do final da tarde. Nosso às do volante dirigiu determinado rumo à curva Saint-Dévote, ignorando as pessoas aglomeradas num ponto improvisado em frente ao palanque onde a família Grimaldi assiste ao GP. A subida rumo ao Casino foi impávida, mas o coletivo seguiu reto no Hôtel de Paris, indo para uma praça que fica fora do traçado.

Achei que a aventura tinha acabado, mas o nosso Villeneuve pegou na sequência uma transversal e desembocou no meio da reta que leva até a Mirabeau, justamente este cruzamento que fica no centro da imagem acima. Ali, o motorista deu a maior demonstração de noção espacial que eu já vi. Sem titubear, ele virou o ônibus entre o guard-rail e um Mini Cooper que vinha subindo no sentido contrário, parado para aguardar (e admirar) a manobra e servir de baliza. Mal passava um fio dental de cada lado, mas o sujeito fez a curva com uma naturalidade de se admirar. “Allez, Gilles”, deixei escapar ali da quarta fileira, rindo da cara de espanto de um transeunte na calçada que tentava entender como aquele ônibus enorme não raspou no guard-rail depois de virar a esquina daquele jeito.

Depois dessa, achei até natural ver como o nosso campeão anônimo jogou o monstro de algumas toneladas entre os carros do sentido contrário e uma respeitável fileira de vespas estacionadas no trechinho que antecede a Loews.

A brincadeira acabou na Portier. Ao invés de virar à direita e pegar o túnel, o coletivo tomou o rumo oposto rumo a Menton. Enquanto reconstituía mentalmente a experiência de percorrer com um coletivo o trecho mais sinuoso do mais travado dos traçados, decidi que vou rir da cara de cada piloto que choramingar pela falta de pontos de ultrapassagens em Mônaco.

- Gilles, o motorista, passa. E de bumba - vou responder.

14 comentários:

LeandroSpectreman disse...

Hahahaha, muito legal. Agora, se não for pedir demais, da próxima podia rolar um videozinho improvisado com uma dessas câmeras de tirar fotos que fazem seus pequenos milagres cinematográficos. Mas sua descrição foi sensacional.Viva o poder da palavra!

Paulo Cunha disse...

Alles, Gilles!

Ele escutou isso??

Anônimo disse...

Não vale ,esse ônibus tava fora do regulamento ,muito leve!Hehe

Jonny'O

Vinícius Perazzini disse...

Maravilha de texto!

Deve ter sido de arrepiar!

Eduardo Malheiros disse...

Não, não, isso aí só pode ser culpa do difusor de "double-deck". =P

Rianov disse...

hauhahuhauhauah,

Muuito bom!
A empresa dele vai se inscrever para 2010?

Unknown disse...

"Sem titubear, ele virou o ônibus entre o guard-rail e um Mini Cooper "

vc tem certeza que o cara em questão não era um brasileiro que falava francês?

Eduardo Cruz disse...

Sensacional a tua descrição do trajeto.
Gilles, se ouviu o que você disse, deve ter ficado satisfeito consigo mesmo.
E talvez a diferença entre o Gilles do bumba e os pilotos, é que o bumba do Gilles, se bater no guard-rail, leva junto. Na F1 atual, acho que só a Brawn consegue bater nesses guard-rails e ainda sair andando, vide as porradinhas que Barrichello andou dando nas 2 primeiras provas e ainda seguiu correndo.

1k2 disse...

Caro Ico,

você só errou na projeção do peso. Se for um urbano pequeno, pode jogar umas 13 toneladas, se for padron, 18 toneladas. Só para efeito de comparação um Fórmula Truck pesa 4 toneladas. O que torna a sua aventura mais emocionante, e mais emocionante para os transeuntes e donos de mini carros...

Henry disse...

Como diz o Mestre Carsughi, com todo esse peso e energia cinética, esse é o tipo de veículo ideal para se instalar um sistema de recuperação de energia cinética...
KERS nele!

Muito legal seu texto...
ICO, é verdade que o mandato do Mosley termina este ano?

1abraço

Paulo Gouvêa Jr. disse...

Sensacional, Ico. Poderia fazer um "intercâmbio entre o "Gilles" de Mônaco com os "Sennas" da zona sul de São Paulo, "Piquets" da zona norte do Rio ou "Fittipaldis" da perifieria de qualquer capital brasileira. Que tal?

Ron Groo disse...

Agora ferrou. os dois Velinhos da Fuzarca da Fia vão tentar levar os buzões para a F1 com a promessa de que quem inscrever um "onibus" para o ano que vem vai ter regalias no regulamento...

Bela história Ico...
Ah... claro... que invejinha...rsrsrs

luiz carlos disse...

Ico, tem muitos "heróis" anônimos desse tipo. Já presenciei cada manobra de carreteiro aqui mesmo que fico pensando como é que pode...

uma vez um sujeito entrou de ré numa casa de material de construção com uma carreta em L, com ponto cego e sem ninguem ajudando, de primeira, sem dó ne piedade...

se fosse eu, destruia a carreta e a casa de material de construção e ainda não conseguia entrar!

Unknown disse...

História sensacional!!!

Tá vendo que não é só o Rubinho que chora sem motivo?