Por mais valor que damos aos pilotos, a Fórmula 1 sempre foi (e é cada vez mais) um esporte de equipe. É preciso um projetista competente para liderar um grupo de técnicos na concepção de um carro vencedor, de um departamento comercial afiado que garanta a captação dos recursos necessários para realizar o projeto e por aí vai. O parceiro imediato de um piloto dentro de uma equipe é o seu engenheiro de corrida. E, neste quesito, não há dupla mais afinada no grid do que a formada por Felipe Massa e o inglês Rob Smedley.
“Algumas pessoas acham que tem alguma mágica nisso. Não, o que há é 100% confiança mútua. Simplificando, eu acho que ele é um piloto muito bom e ele me considera um engenheiro muito bom. Nós dois temos papéis bem definidos, sabemos quando esses papéis se cruzam e cada um faz o seu trabalho. E tudo funcionou bem desde o primeiro dia, quando éramos ambos ainda inexperientes, para falar a verdade. Agora estamos bem à vontade, entendemos nosso papel dentro da equipe, sei como ele gosta de ter o carro para seu estilo de dirigir e ele conta completamente comigo. É por isso que a coisa funciona”, explica Smedley.
É fácil notar que existe mesmo uma sinergia forte entre os dois. O inglês também exala serenidade em qualquer situação e fica fácil entender a importância de seu papel no crescimento de Massa como piloto. Mas aqui, como em toda a relação, é uma rua de mão dupla. E Smedley exalta o comportamento do brasileiro nesse processo. “O que eu gosto no feedback técnico do Felipe é que, enquanto ele foi aprendendo e ganhando confiança, ele sempre se manteve totalmente sincero e isto nem sempre é fácil para um piloto. Quando eles não entendem algo que acontece, tendem a te dar a explicação que julgam ser a correta, mas que nem sempre é. Mas Felipe sempre foi sincero e só diz como ele sentiu a reação do carro. O que para nós é ótimo, porque somos um grupo de engenheiros que pode pegar o que ele nos passa e analisar isto de um ponto de vista numérico”, elogia.
A transformação de Felipe Massa de um piloto selvagem em um maduro, conservando sua excelente velocidade natural, teve vários momentos significativos. Um que me chamou a atenção foi a pole position que o brasileiro conquistou no GP de Mônaco de 2008. Assim que Massa completou a volta e confirmou a primeira colocação, as câmeras da tevê mostraram um incrédulo Rob Smedley no pitwall da Ferrari. Perguntei-lhe sobre o episódio e seu testemunho veio com empolgação.
“Realmente, eu fiquei chocado. Aquela pole também foi um dos momentos mais satisfatórios dessa minha jornada com Felipe. Porque sempre foi claro para nós que, nos circuitos mais modernos, bastava lhe dar um bom carro para ele ser praticamente imbatível numa volta rápida. Mas em Mônaco, ele sempre teve uma atitude de assumir uma dificuldade em andar aqui, porque no passado ele havia se classificado bem mais atrás de companheiros de equipe seus, como Jacques Villeneuve ou Giancarlo Fisichella. A partir de 2006, começamos a convencê-lo que era um circuito como qualquer outro, com retas e curvas, que exige um carro equilibrado e que tem de ser abordado de uma certa maneira. Mas que, se ele podia ser rápido no Brasil ou no Bahrein, ele também podia ser rápido lá. Então, conseguir aquela pole, foi um grande momento. Eu não sabia se era possível mudá-lo, de alguém com dúvidas sobre um tema para uma pessoa 100% confiante. Ele fez isso no circuito mais difícil de todos. E com mais gasolina que o resto dos seis primeiros colocados! Foi um feito extraordinário”, reconhece.
Na trajetória da dupla, é fundamental checar com Smedley sua análise do histórico GP do Brasil do ano passado. “Foi uma vitória especial. Ele foi perfeito do começo ao fim, não acho possível haver um encontro maior de esforço de uma equipe com a habilidade de pilotar de um piloto. Vale lembrar que, mesmo que não tenha transparecido para fora, estávamos sob uma enorme pressão, porque estávamos lutando pelo título. E chegamos muito, muito perto. Não acho que tenhamos feito um erro sequer naquele final de semana, foi tudo perfeito, o que me deu uma enorme satisfação também”.
Questiono como foi lidar com a emoção de ver a conquista escapar entre os dedos no último instante. “Difícil, bem difícil! (Risos) Você precisa se colocar naquela situação para entender o quanto de emoção há nisso. É o acúmulo de sentimentos de um ano inteiro. Você vive e respira o Mundial de Fórmula 1 o tempo inteiro, o resto fica meio que num segundo plano. No final daquela corrida estávamos todos emocionados, mas você dorme, acorda no dia seguinte e segue em frente”, reflete o engenheiro.
Nestes mais de três anos de trabalho em conjunto, o foco do trabalho também mudou: não se trata mais de lapidar uma promessa, mas de extrair o máximo de uma fera. A análise de Smedley é muito clara nesse ponto: “Agora Felipe está psicologicamente mais forte, não precisa de bajulação ou coisas assim. Ele sabe que é um top driver agora, que está junto dos caras lá na frente e pilotando num ótimo nível. É inquestionável como ele é bom com pneus novos, na classificação, um dos melhores da F-1 hoje em dia, se não for o melhor. E também excede na corrida, comete poucos erros. Em suma: é um piloto muito completo. É claro que todos podem melhorar e, como eu já disse, ainda não vimos o seu melhor. Mas não consigo apontar uma área específica que ele seja fraco. Quando começamos, tínhamos metas com ele para algumas áreas. O talento existia, em abundância, mas havia outras partes ainda a serem lapidadas. E ainda acho que ele está se desenvolvendo o tempo inteiro. Mas aos poucos, não há nenhuma revolução em curso no seu estilo de pilotar”.
Mas o Mundial de 2009 tem se mostrado uma prova dura para os pilotos da Ferrari, já que o F60 não é competitivo o suficiente para derrotar os modelos das equipes Brawn e Red Bull. Para Smedley, a dura realidade não muda nada a rotina de trabalho na garagem italiana. “Não importa onde você esteja, sempre tem de lidar com uma pressão muito grande, porque você tem de extrair o máximo do que o carro lhe permite. Não importa se você está lutando pelo título ou brigando por um sexto lugar, porque todos os que estão na pista buscam maximizar o potencial do pacote que possuem. Então é uma parte importante do meu trabalho manter a cabeça de todo mundo no lugar e olhando para a direção certa. Incluindo a do piloto”.
A conversa vai chegando ao fim, mas dá tempo de perguntar sobre a maneira curiosa que ele conversa com o piloto brasileiro pelo rádio, chamando-o às vezes de “sunshine” ou, como na Malásia, “Felipe baby”. “Eu o chamo de uma porção de nomes: ‘sunshine’, ‘mate’, etc. Sou do norte da Inglaterra, somos pessoas de pés-no-chão, que interagem da mesma maneira, seja com o faxineiro ou o chefe. E só uma maneira informal de chamá-lo. Também uso uns nomes menos amigáveis quando ele faz um erro, mas espero que ele não os escute (risos)”.
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6 comentários:
espero que esta seria continue com outras materias sobre pessoal de paddock.
tenho seguido o blog faz tempo, e o conteúdo é excelente, parabéns. mais esta série foi demais.
tenta continuar com as notas, a gente sabe que o que falta lá e tempo
Pô! Parabéns.
Têm muuuita gente interessante no padeck pra explorar além dos pilotos.
Até mesmo um cozinheiro que possa estar na Ferrari pra mais de 15 anos pode nos dar uma visão mais sensata dos episódios que ocorrem na F1.
Muito boa a série.
Como também muito me agrada seu modo de expor a F1. Me incomoda muito os achismos da maioria dos jornalistas que não têm uma fonte com tantas referências como o próprio padock.
Abraço.
Com certeza a melhor dupla piloto-engenheiro. Impressionante o trabalho de Smedley, enquanto a maioria dos engenheiros é ofuscada pelo trabalho do seu piloto, Rob pode até abrir fã-clube. Conheço pessoas pela net que adoram seu trabalho e sua personalidade.
Poderia fazer algo com os engenheiros (e ex-engenheiros) dos compeões em atividade. O que acha Ico?
Seria interessante ler uma compração entre o Räikkönen e o Alonso por exemplo, visto que os dois tiveram o mesmo engenheiro durante o periodo de McLAren (que hoje é o engenheiro do Kovalainen)
Pense ocm carinho.
Simplesmente sensacional Ico!
Abraços
Ico, parabéns pela série dos engenheiros. Esses caras são fundamentais pro funcionamento de tudo numa corrida, e pouca gente sabe que eles ao menos existem.
Bom demais ver esse outro lado da F1.
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