Eram 18 horas e 26 minutos do dia 11 de junho de 1955 quando o Mercedes-Benz de Pierre Levegh se desintegrou no choque com o carro de Lance Macklin e os destroços voaram como mísseis sobre a multidão de espectadores que ocupavam os melhores lugares para assistir as 24 Horas de Le Mans. O francês e outras 83 pessoas perderam suas vidas naqueles segundos que fizeram a maior tragédia da história do automobilismo.
Na última semana, conversei com exclusividade com uma testemunha daquele dia (era essa a matéria especial prometida no último "Credencial"). Renaud de Laborderie, jornalista francês, tomou o túnel que ligava a tribuna de imprensa ao paddock – túnel que começava justamente num dos locais de impacto do Mercedes de Levegh – um minuto antes do acidente. “Estava andando tranqüilamente pelo túnel, quando escutei um barulho enorme sobre mim. Achei que era uma bomba, afinal em 1955 só faziam dez anos do final da guerra e sabia muito bem como era o barulho de uma. Quando eu cheguei na escada para sair do túnel, havia uma mulher que chorava, ‘ele morreu, ele morreu’. Era a mulher de Fangio, que achava que ele tinha morrido no acidente. Quando sai, o que vi do outro lado era um mar de cadáveres e de pedaços de carro. Por um minuto, minha vida foi salva”.
Se analisarmos o episódio com os olhos do século XXI, vamos ficar escandalizados com o fato da prova ter continuado normalmente enquanto a carroceria de magnésio prateada queimava à beira de pista e os corpos eram colocados em fila para transporte. Mas Laborderie aponta: foi a decisão correta. “O cenário era terrível. Havia ambulâncias, fogo, uma confusão gigantesca. Felizmente, não pararam a corrida. Porque as pessoas do outro lado do circuito sabiam que houve um acidente, mas não da extensão dele. Se a prova fosse interrompida, haveria um colapso nas estradas usadas pelas ambulâncias e o transporte de feridos seria impossível”.
Para os que se interessarem em saber mais os detalhes sobre o acidente, suas causas e sua dinâmica, sugiro a leitura do livro “Le Mans ’55 – The crash that changed the face of motor racing”, de Christopher Hilton. O subtítulo não é exagero: como epílogo do acidente, diversas corridas foram canceladas, a Suíça inclusive proíbe até hoje a realização de provas em seu território.
Laborderie também testemunhou de perto outro momento de grande impacto, o final de semana do GP de San Marino de 1994. A meu pedido, ele compara as reações decorrentes dos dois episódios, destacando a influência da televisão em ambos. “Foram as duas principais tragédias da história do automobilismo. Porque as duas foram ao vivo. Em 1955, foi a primeira corrida transmitida na história da televisão francesa; e em 1994 foi a morte de uma pessoa ao vivo para milhões de pessoas no mundo todo. Na opinião pública, os dois eventos tiveram o mesmo efeito: sem se preocupar em aumentar a segurança, ativa ou passiva, parecia impossível continuar com o automobilismo. Felizmente, o esporte continuou a existir. Infelizmente, tivemos estes dois símbolos: a de um acidente enorme com o público e a morte de um piloto excepcional que poderia ganhar muito mais títulos mundiais”.
Neste momento, Renaud de Laborderie está em La Sarthe, acompanhando de perto a batalha intensa entre Peugeot e Audi pela vitória na edição de 2009 das 24 Horas de Le Mans. Enquanto caminha pelo paddock, certamente vai reviver na memória as cenas vividas naquela longínqua tarde de junho. “Este acidente virou uma das lendas negras do automobilismo, mas também foi uma lição de que era necessário investir em segurança no esporte. Não só na dos carros, mas também na dos circuitos. Quem o vivenciou de perto vai lembrar dele para sempre. Para mim, ficou gravado na memória. Um minuto: foi a maior sorte da minha vida”.
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9 comentários:
Já tinha lido muito sobre o assunto e visto fotos impressionantes, como o corpo de uma mulher pegando fogo na beirada da pista.
Infelizmente só quando arrombam a porta e que a gente acha que tem que trocar as fechaduras. Porém é também por fatos lamentáveis como o acidente de Le Mans 55 e Imola 94 que amamos este esporte.
Impressionante!
as imagens no youtube são impressionantes...
fiquei com vontade de conseguir esse livro. Realmente essa foi a maior tragédia da história do automobilismo...
HÁ muitos e muitos anos eu li uma reportagem sobre o episódio, acho que foi na Autoesporte brasileira (na época em que valia a pena ser lida), e eles traçam um perfil psicológico muito interessante sobre Levegh, sua obcessão em vencer a prova, os fatos da época. Imperdível, vou vasculhar minha coleção para localizar. Parabéns Ico.
muito boa a matéria....
Sensacional a matéria!!!
Acho que se pararmos pra pensar, é no mínimo grotesco que o automobilismo tenha seguido tão forte por anos a fio, é só pensar na décad de 70, como a pior, mas não única na fórmula 1, a quantidade de pilotos mortos de forma trágica é assustadora!
mas nós gostamos disso, é o que torna alguns homens mais próximos aos deuses, flertar com o limite, e passar dele, tocar o impossivel.
Tudo isso se torna mágico, divinal...
Flertar com o limite, e com o perigo, são coisas próximas, acho que a Ingryd expressou tudo, infelizmente esse final de semana produziu mais uma morte( 1 piloto mexicano na nascar ), isso nos deixa parados, algumas coisas nos deixam parados às vezes, geralmente as de grande proporção.
Impressionante destacar a frieza da equipe Jaguar, que mandou os pilotos maneirar pois a Mercedes estava se retirando da pista. Por outro lado, era o melhor a fazer, já que a corrida não ia parar...
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