sábado, 4 de agosto de 2007

A MAIOR DO MAIOR

Todo grande artista tem uma obra-prima. A de Juan Manuel Fangio – na minha modesta opinião, o maior de todos os tempos – foi o Grande Prêmio da Alemanha de 1957, disputado há exatamente 50 anos. Foi o dia em que o argentino chegou muito cerca, senão além, de seus próprios limites, exatamente no circuito mais perigoso e desafiador de todos. Levando a seus rivais derrotados, como o inglês Peter Collins, a elogios desmedidos. “Fangio? Ele é um Deus!”, dizia. Exagero sim, mas quem viu o que argentino fez naquele 4 de agosto chegou a duvidar que se tratasse de um mero mortal.

Fangio tinha dominado a temporada até então, vencendo três das quatro etapas disputadas. Mas eram tempos onde a expressãocorrer pensando no campeonatonão fazia parte do vocabulário da Fórmula 1. Seu principal concorrente pelo título era o italiano Luigi Musso, da Ferrari – o piloto mais regular, mas nem de longe o mais rápido da equipe. E a briga seria exclusiva entre a Maserati, de Fangio, e o time de Enzo.

O argentino fez o melhor tempo dos treinos com 9min25s6, uma amostra da evolução dos carros desde o ano anterior, quando o mesmo Fangio marcara um novo recorde de volta na corrida com 9min41s6. A primeira fila ainda tinha Mike Hawthorn e Collins, os ingleses da Ferrari; e o francês Jean Behra, com outra Maserati 250F.

Nos treinos, o pesado modelo apresentou um desgaste excessivo nos pneus traseiros e o chefe de equipe da Maserati, Nello Ugolini, entendeu que não seria possível completar as 22 voltas de prova (500 quilômetros!) com a mesma borracha. Assim, ordenou que seus pilotos corressem com apenas meio tanque, para fazer uma parada na metade da prova. A idéia era abrir uma boa vantagem logo no começo, que as Ferrari fariam a corrida inteira sem parar nos boxes.

Na largada, porém, Hawthorn e Collins pularam à frente. Fangio tinha o costume de começar a prova num ritmo mais lento para ir dosando seu ritmo aos poucos – uma lição aprendida em anos e anos de corridas longas, e esta seria uma delas. Mais leve, o argentino assumiu a ponta na terceira volta, quando havia batido duas vezes o recorde da pista. Nas passagens seguintes, a marca foi pulverizada seguidas vezes até que, com os tanques quase vazios, Fangio marcou 9min29s5.

A parada nos boxes ocorreu na 11ª volta, quando sua vantagem para as Ferrari era de 28 segundos. Os pit stops naqueles tempos eram demorados. Imagine que a chave da roda tinha de ser tirada (e recolocada) a marretadas. O argentino desceu do carro para tomar uma água enquanto o serviço era feito e recebeu um conselho genial de seu manager, Paolo Giambertone (corrigindo: Marcello Giambertone - veja os comentários). “Corra na manha nas primeiras duas voltas, deixa eles pensarem que você tem algum problema”.

O argentino voltou à pista com quase um minuto de desvantagem e, como combinado, não exagerou no início. Ao ver os tempos de Fangio, o Box da Ferrari sinalizou que estava tudo OK para seus pilotos. Cada volta durava dez minutos, tempo em que os estrategistas ficavam sem qualquer referência. O argentino aproveitou para pisar fundo e, ao final da 14ª volta, a cúpula ferrarista se desesperou ao ver que sua dupla perdera 12 segundos para o rival.

Das voltas 17 a 20, a pilotagem de Fangio é furiosa e o recorde da pista vai chegando a níveis inacreditáveis! Ele marcou 9min28s5, 9min25s3, 9min23s4... e chegou a 9min17s4 quando apareceu na reta principal colado nos carros da Ferrari. Ele passou Collins na freada da curva sul (é a imagem acima, clique para ampliar), recebeu o troco e repassou o inglês na saída da curva norte, jogando metade do carro na grama. Uma pedra acabou voando direto na viseira de Collins, que imediatamente diminuiu o ritmo e saiu da briga.

Restava Mike Hawthorn. O argentino seguiu durante meia volta colado no inglês e efetuou a ultrapassagem na freada para Breidscheid, uma curva em primeira marcha para a esquerda. Na volta final, Fangio diminuiu o ritmo, mas se manteve a uma distância segura, vencendo com pouco mais de três segundos de vantagem.

Ao descer do carro, ele mostrou aos mecânicos o banco quebrado, conseqüência dos solavancos sofridos enquanto ele pilotava em um ritmo alucinante. Fangio foi carregado nos ombros do pessoal da Maserati até o pódio, enquanto Hawthorn dava declarações à imprensa de seu país. “Era inútil tentar segurá-lo. Se eu tivesse forçado, o velho diabo teria me passado por cima”. Pouco tempo depois, o argentino contou. “Fiquei aquela noite sem dormir. Fiz coisas que nunca tinha feito antes. Nunca mais quero pilotar desta maneira”. Foi a última de suas 24 vitórias na Fórmula 1. Em julho do ano seguinte, aos 47 anos, Juan Manuel Fangio pararia definitivamente de correr após o GP da França.

O significado de sua carreira? Bem, os números nem sempre dizem a verdade, mas dão pelo menos uma dimensão dela. Fangio é o piloto com a melhor média de vitórias na F-1, uma a cada 2,125 GPs disputados. Mas isso não é tudo: entre 1948 e 1958, ele disputou 164 corridas com automóveis de alto rendimento, entre F-1, F-2, F-Livre e Carros Esporte. Conquistou 64 vitórias, 96 pódios, 75 pole-positions e 61 melhores voltas. Isto numa época sem segurança nenhuma, quando as provas eram muito mais longas e os carros, muito pouco duráveis.

Notável é o mínimo que podemos dizer. Eu prefiro dizer outra coisa: o maior, o maior!!!

13 comentários:

Anônimo disse...

Grande e verdadeiro post ,Ico, parabéns!

Jonny'O

José António disse...

Sim, grande vitória de Fangio.
Já tinha lido sobre essa vitória histórica de Fangio.

Fangio fez coisas nesse dia que nunca tinha feito antes (segundo as palavras dele)e se pensarmos no que poderá ter feito naquele tempo, com aqueles carros (que já atingiam os 250km/h ou mais), com aqueles pneus e travões, naqueles circuitos... foi memorável...

Cumprimentos
José

Anônimo disse...

Fangio's manager was Marcello Giambertone, not Paolo Giambertone, who is his grandson :-)

sakki disse...

Fangio e Tazio são "os" pilotos. Fazer aquelas loucuras em caixas de fosforos com rodas e motores...

Ico (Luis Fernando Ramos) disse...

Thanks Paolo, wrong name! Good to see you here, if you have any stories to tell us, we would love to hear them!

Cheers!

Anônimo disse...

Meu grande ídolo no automobilismo é Ronnie Peterson. Mas concordo que Fangio é o maior e não tem conversa, hehe! Podem vir com todas as estatísticas de Shumacher, mesmo assim não mudo de opinião.

Abraços!

Anônimo disse...

Penso que Fangio foi pra F1 o que Pelé foi para o futebol, o maior do século XX, no mínimo.

Não sabia de toda a sequência da ultrapassagem sobre Collins, só conheço uma filmagem que mostra o mesmo instante da foto acima. Nem da presença do manager. Muito bom esse post.

Fernando Amaral

Anônimo disse...

Parabens pelo post Ico!
Como a gente costuma dizer por aquí embaixo: ¡Gracias totales!

Abração!
Laurinha

Speeder76 disse...

Excelente post, amigo Ico! Também meti um para comemorar o feito, mas o teu é muito melhor.

E concordo contigo, quando tu falas dos Grandes Prémios que ele fez e o facto de ter escapado à morte vezes sem conta, sem forçar os limites! Ele foi o maior de todos, sem dúvida...

Anônimo disse...

Meu pai também considerava o Fangio o maior.

As rodas já tinham um esquema chamado de cubo rápido. Uma borboleta rosqueada ao cubo da roda em sentido contrário ao que a roda virava. Era difícil de tirar porque ela tinha a tendência de apertar a cada volta da roda. É o mesmo esquema de hoje só que manual.

Anônimo disse...

ico
li, muitos anos atrás, numa revista chamada "formula 1 76" (acho que era uma edição especial)que além de tudo o que fez nesta prova fangio correu com somente uma das rodas dianteiras obedecendo ao comando da direção.
sabe de alguma coisa sobre isso?

Ico (Luis Fernando Ramos) disse...

Oi Zamborlini, confesso que nunca li algo a respeito, mas fiquei curioso e vou dar uma pesquisada nos meus livros. Vendo os tempos de volta que ele fez, se ele ainda tinha um problema dele, vou ser obrigado a concordar com o Peter Collins, era Deus em pessoa ao volante! :-)
Se tiver novidades sobre esta história, eu coloco aqui, ok?
Obrigado e um abs!

Anônimo disse...

Zamborlini, esso foi na Mille Miglia de 1953 (Alfa Romeo Disco Volante),