Todograndeartista tem uma obra-prima. A de Juan Manuel Fangio – na minha modesta opinião, o maior de todos os tempos – foi o GrandePrêmio da Alemanha de 1957, disputado há exatamente 50 anos. Foi o diaemque o argentino chegou muitocerca, senãoalém, de seuspróprioslimites, exatamente no circuitomaisperigoso e desafiador de todos. Levando a seusrivais derrotados, como o inglês Peter Collins, a elogiosdesmedidos. “Fangio? Ele é umDeus!”, dizia. Exagerosim, masquem viu o que argentino fez naquele 4 de agosto chegou a duvidarque se tratasse de ummeromortal.
Fangio tinha dominado a temporadaatéentão, vencendo três das quatroetapas disputadas. Mas eram temposonde a expressão “correr pensando no campeonato” não fazia parte do vocabulário da Fórmula 1. Seuprincipalconcorrentepelotítuloera o italiano Luigi Musso, da Ferrari – o pilotomaisregular, masnem de longe o maisrápido da equipe. E a briga seria exclusivaentre a Maserati, de Fangio, e o time de Enzo.
O argentino fez o melhortempo dos treinos com 9min25s6, uma amostra da evolução dos carrosdesde o anoanterior, quando o mesmo Fangio marcara umnovorecorde de volta na corridacom 9min41s6. A primeirafilaaindatinha Mike Hawthorn e Collins, os ingleses da Ferrari; e o francês Jean Behra, comoutra Maserati 250F.
Nos treinos, o pesado modelo apresentou umdesgasteexcessivonospneustraseiros e o chefe de equipe da Maserati, Nello Ugolini, entendeu quenão seria possívelcompletar as 22 voltas de prova (500 quilômetros!) com a mesmaborracha. Assim, ordenou queseuspilotos corressem comapenasmeiotanque, parafazer uma parada na metade da prova. A idéiaeraabrir uma boa vantagemlogo no começo, jáque as Ferrari fariam a corridainteirasempararnosboxes.
Na largada, porém, Hawthorn e Collins pularam à frente. Fangio tinha o costume de começar a prova num ritmomaislentoparair dosando seuritmo aos poucos – uma lição aprendida emanos e anos de corridas longas, e esta seria uma delas. Maisleve, o argentino assumiu a ponta na terceiravolta, quandojá havia batido duas vezes o recorde da pista. Nas passagensseguintes, a marca foi pulverizada seguidasvezesatéque, com os tanquesquasevazios, Fangio marcou 9min29s5.
A paradanosboxes ocorreu na 11ª volta, quandosuavantagempara as Ferrari era de 28 segundos. Os pit stops naqueles tempos eram demorados. Imagine sóque a chave da rodatinha de sertirada (e recolocada) a marretadas. O argentino desceu do carroparatomar uma águaenquanto o serviçoerafeito e recebeu umconselhogenial de seu manager, Paolo Giambertone (corrigindo: Marcello Giambertone - veja os comentários). “Corra na manha nas primeiras duas voltas, deixaeles pensarem quevocê tem algumproblema”.
O argentino voltou à pistacomquaseumminuto de desvantagem e, como combinado, não exagerou no início. Ao ver os tempos de Fangio, o Box da Ferrari sinalizou que estava tudo OK paraseuspilotos. Cadavolta durava dezminutos, tempoemque os estrategistas ficavam semqualquerreferência. O argentino aproveitou parapisarfundo e, ao final da 14ª volta, a cúpula ferrarista se desesperou ao verquesuadupla perdera 12 segundospara o rival.
Das voltas 17 a 20, a pilotagem de Fangio é furiosa e o recorde da pista vai chegando a níveisinacreditáveis! Ele marcou 9min28s5, 9min25s3, 9min23s4... e chegou a 9min17s4 quando apareceu na retaprincipal colado noscarros da Ferrari. Ele passou Collins na freada da curvasul (é a imagem acima, clique para ampliar), recebeu o troco e repassou o inglês na saída da curvanorte, jogando metade do carro na grama. Uma pedra acabou voando direto na viseira de Collins, queimediatamente diminuiu o ritmo e saiu da briga.
Restava Mike Hawthorn. O argentino seguiu durantemeiavolta colado no inglês e efetuou a ultrapassagem na freadapara Breidscheid, uma curvaemprimeiramarchapara a esquerda. Na voltafinal, Fangio diminuiu o ritmo, mas se manteve a uma distânciasegura, vencendo compoucomais de trêssegundos de vantagem.
Ao descer do carro, ele mostrou aos mecânicos o bancoquebrado, conseqüência dos solavancos sofridos enquantoele pilotava emumritmo alucinante. Fangio foi carregadonosombros do pessoal da Maserati até o pódio, enquanto Hawthorn dava declarações à imprensa de seupaís. “Erainútiltentar segurá-lo. Se eu tivesse forçado, o velhodiabo teria mepassadoporcima”. Poucotempodepois, o argentino contou. “Fiquei aquela noitesemdormir. Fiz coisasquenuncatinhafeitoantes. Nuncamais quero pilotar desta maneira”. Foi a última de suas 24 vitórias na Fórmula 1. Emjulho do anoseguinte, aos 47 anos, Juan Manuel Fangio pararia definitivamente de correrapós o GP da França.
O significado de suacarreira? Bem, os númerosnemsempre dizem a verdade, mas dão pelomenos uma dimensão dela. Fangio é o pilotocom a melhormédia de vitórias na F-1, uma a cada 2,125 GPs disputados. Masissonão é tudo: entre 1948 e 1958, ele disputou 164 corridascomautomóveis de altorendimento, entre F-1, F-2, F-Livre e CarrosEsporte. Conquistou 64 vitórias, 96 pódios, 75 pole-positions e 61 melhoresvoltas. Isto numa épocasemsegurança nenhuma, quando as provas eram muitomais longas e os carros, muitopouco duráveis.
Notável é o mínimoque podemos dizer. Eu prefiro dizeroutracoisa: o maior, o maior!!!
Sim, grande vitória de Fangio. Já tinha lido sobre essa vitória histórica de Fangio.
Fangio fez coisas nesse dia que nunca tinha feito antes (segundo as palavras dele)e se pensarmos no que poderá ter feito naquele tempo, com aqueles carros (que já atingiam os 250km/h ou mais), com aqueles pneus e travões, naqueles circuitos... foi memorável...
Meu grande ídolo no automobilismo é Ronnie Peterson. Mas concordo que Fangio é o maior e não tem conversa, hehe! Podem vir com todas as estatísticas de Shumacher, mesmo assim não mudo de opinião.
Penso que Fangio foi pra F1 o que Pelé foi para o futebol, o maior do século XX, no mínimo.
Não sabia de toda a sequência da ultrapassagem sobre Collins, só conheço uma filmagem que mostra o mesmo instante da foto acima. Nem da presença do manager. Muito bom esse post.
Excelente post, amigo Ico! Também meti um para comemorar o feito, mas o teu é muito melhor.
E concordo contigo, quando tu falas dos Grandes Prémios que ele fez e o facto de ter escapado à morte vezes sem conta, sem forçar os limites! Ele foi o maior de todos, sem dúvida...
As rodas já tinham um esquema chamado de cubo rápido. Uma borboleta rosqueada ao cubo da roda em sentido contrário ao que a roda virava. Era difícil de tirar porque ela tinha a tendência de apertar a cada volta da roda. É o mesmo esquema de hoje só que manual.
ico li, muitos anos atrás, numa revista chamada "formula 1 76" (acho que era uma edição especial)que além de tudo o que fez nesta prova fangio correu com somente uma das rodas dianteiras obedecendo ao comando da direção. sabe de alguma coisa sobre isso?
Oi Zamborlini, confesso que nunca li algo a respeito, mas fiquei curioso e vou dar uma pesquisada nos meus livros. Vendo os tempos de volta que ele fez, se ele ainda tinha um problema dele, vou ser obrigado a concordar com o Peter Collins, era Deus em pessoa ao volante! :-) Se tiver novidades sobre esta história, eu coloco aqui, ok? Obrigado e um abs!
Na pauta desse blog, discussõessobre a Fórmula 1 emtodos os seusaspectos: histórias do passado, análises do presente, bastidores da cobertura e curiosidades. E muitamúsicaparatemperar essa mistura de razão com a paixãoque o automobilismo desperta.
Repórter de Fórmula 1 do Grupo Bandeirantes de Rádio, do diário Lance e da revista Racing. Apreciador de boa música, viagens e velocidade. Guitarrista amador, corredor de rua e piloto virtual.
13 comentários:
Grande e verdadeiro post ,Ico, parabéns!
Jonny'O
Sim, grande vitória de Fangio.
Já tinha lido sobre essa vitória histórica de Fangio.
Fangio fez coisas nesse dia que nunca tinha feito antes (segundo as palavras dele)e se pensarmos no que poderá ter feito naquele tempo, com aqueles carros (que já atingiam os 250km/h ou mais), com aqueles pneus e travões, naqueles circuitos... foi memorável...
Cumprimentos
José
Fangio's manager was Marcello Giambertone, not Paolo Giambertone, who is his grandson :-)
Fangio e Tazio são "os" pilotos. Fazer aquelas loucuras em caixas de fosforos com rodas e motores...
Thanks Paolo, wrong name! Good to see you here, if you have any stories to tell us, we would love to hear them!
Cheers!
Meu grande ídolo no automobilismo é Ronnie Peterson. Mas concordo que Fangio é o maior e não tem conversa, hehe! Podem vir com todas as estatísticas de Shumacher, mesmo assim não mudo de opinião.
Abraços!
Penso que Fangio foi pra F1 o que Pelé foi para o futebol, o maior do século XX, no mínimo.
Não sabia de toda a sequência da ultrapassagem sobre Collins, só conheço uma filmagem que mostra o mesmo instante da foto acima. Nem da presença do manager. Muito bom esse post.
Fernando Amaral
Parabens pelo post Ico!
Como a gente costuma dizer por aquí embaixo: ¡Gracias totales!
Abração!
Laurinha
Excelente post, amigo Ico! Também meti um para comemorar o feito, mas o teu é muito melhor.
E concordo contigo, quando tu falas dos Grandes Prémios que ele fez e o facto de ter escapado à morte vezes sem conta, sem forçar os limites! Ele foi o maior de todos, sem dúvida...
Meu pai também considerava o Fangio o maior.
As rodas já tinham um esquema chamado de cubo rápido. Uma borboleta rosqueada ao cubo da roda em sentido contrário ao que a roda virava. Era difícil de tirar porque ela tinha a tendência de apertar a cada volta da roda. É o mesmo esquema de hoje só que manual.
ico
li, muitos anos atrás, numa revista chamada "formula 1 76" (acho que era uma edição especial)que além de tudo o que fez nesta prova fangio correu com somente uma das rodas dianteiras obedecendo ao comando da direção.
sabe de alguma coisa sobre isso?
Oi Zamborlini, confesso que nunca li algo a respeito, mas fiquei curioso e vou dar uma pesquisada nos meus livros. Vendo os tempos de volta que ele fez, se ele ainda tinha um problema dele, vou ser obrigado a concordar com o Peter Collins, era Deus em pessoa ao volante! :-)
Se tiver novidades sobre esta história, eu coloco aqui, ok?
Obrigado e um abs!
Zamborlini, esso foi na Mille Miglia de 1953 (Alfa Romeo Disco Volante),
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